Apesar de ter nascido num tempo já de democracia e de não saber em concreto, ou ter sentido na pele o que significa viver numa ditadura e ver-me privada de alguns direitos que hoje todos consideramos básicos e damos por adquiridos, prezo muito esta liberdade conseguida à custa de cravos e sem tiros.
Podemos não gostar do estado do país actualmente, sentir na pele os efeitos da crise, do desemprego, da inflação, de uma economia quase moribunda, da falta de oportunidades para os jovens, da falta de futuro, da saída para o estrangeiro da nossa mão de obra mais qualificada, da falta de apoios e incentivos à natalidade, dos ordenados baixos e da exploração desmedida, do aproveitamento dos mais fracos e pobres, da fome camuflada e envergonhada - sentida em tantos lares e por tantas famílias e crianças por esse país fora - da corrupção e da passividade de quem rouba o que outros levaram uma vida a poupar sem lhes serem aplicadas as leis e medidas que facilmente cairiam a qualquer um de nós, fracas peças neste xadrez, dos velhos esquecidos e abandonados nos hospitais por famílias que não querem ou podem tratar deles, da desertificação do país, da falta de indústria e comércio tradicional, das privatizações e das vendas do património público ao desbarato, do descalabro na saúde e da falta de recursos no serviço público, um dos maiores legados que um Estado dito social deveria fazer por manter e preservar a todo o custo. São tantas as crises deste nosso pedaço à beira mar plantado que é fácil sentirmo-nos desmotivados, pensar que os nossos filhos não irão ter grande futuro, que os recursos, tempo e dinheiro que investimos na sua educação serão infrutíferos e que os mesmos acabarão por ter empregos precários caso não tenham 'padrinhos' generosos que lhes possam abrir as portas para um qualquer cargo, que será uma sorte estagiarem infinitamente a receber apenas o subsídio de alimentação porque isso é melhor do que nada, ou ficar com os mesmos a viverem debaixo da nossa asa e sem recursos para se autonomizarem até terem, no mínimo, 30 anos...
Apesar de saber tudo isso, apesar de saber que este meu Portugal não é um país para jovens, nem para velhos, nem para grávidas, nem para quem não tenha uma boa cunha ou sobrenome familiar pomposo e protegido que o ampare, o 25 de Abril e tudo aquilo que ele representa não deverá ser esquecido.
Só com o 25 de Abril poderia escrever e publicar este texto. Só com um 25 de Abril poderia criticar abertamente a política e governação deste país, as medidas implantadas, a falta de esperança ou reagir contra tudo aquilo que me preocupa e atormenta.
Essa liberdade, essa conquista feita e adquirida há 40 anos não tem preço e deverá ser celebrada sempre, por quem a viveu, por quem nasceu depois dela e por quem há-de vir.
É este o legado que eu pretendo passar aos meus filhos.
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