quinta-feira, fevereiro 16, 2017

Falar sobre a morte aos nossos filhos

Esta semana, vinha no carro com a Madalena após um longo dia de trabalho e na rádio passou um anúncio que falava qualquer coisa como "garantia durante 90 anos", ao que ela descontraidamente, disse: "mãe, daqui a 90 anos eu terei 98 anos!" e eu, alinhando na brincadeira e fazendo as contas assim de repente e sem filtrar o que ia dizer, respondi: "e eu... bom, se tu tens 98 anos, eu daqui a 90 anos já cá não estou!". Disse aquilo como se fosse a coisa mais natural da vida, mas as minhas palavras provocaram-lhe uma tristeza profunda. Ela disse logo: "mãe, não digas isso." E eu continuei, "Mas é verdade filha, pela lei natural da vida, se tu tiveres 98 anos, a mãe já não está cá, ninguém vive tanto tempo." Ela não se conteve e entre lágrimas pediu, "não digas essas coisas, eu não quero que digas essas coisas".
Só aí tive consciência de que a minha forma descontraída de abordar a questão lhe provocava angústia, porque a ideia de não me ter na vida dela lhe provocava uma enorme tristeza e ansiedade.
Aquilo fez-me reflectir. Tenho a sorte de ainda não ter passado por essa situação, de ter os meus pais vivos e saudáveis, mas começo a chegar a uma idade em que a ideia de não os ter cá me assusta. Damos sempre as coisas por adquiridas e a verdade é que de um dia para o outro tudo muda. Também me fez pensar na minha própria morte e o que aconteceria aos meus filhos se isso acontecesse. Será que manteriam o contacto? Será que as  distintas famílias fariam esse esforço para que o elo de ligação não se quebrasse? E pôs-me a pensar em como eu sou o ponto central na vida daquelas duas crianças. Ela e ele. E como eu lhes faço falta. Imensa falta. Como faz qualquer mãe ou pai na vida de uma criança. 
Este tema pesado e denso não aparece hoje por acaso - apesar de o episódio com a Madalena já ter acontecido no início da semana e de ainda não ter falado dele aqui. Este tema pesado e denso acontece no dia em que a morte bateu à porta de quem conhecia, que deixa 3 filhos, fazendo-me parar e pensar que na correria do dia-a-dia, das preocupações parvas, dos conflitos ou chatices menores no trabalho, constatamos que num repente tudo muda. Tudo muda. Mas o mundo não pára para nos consolar. 


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