Eu sou daquelas pessoas que gosta
de chuva, mas sempre que há cargas de água fortes e contínuas, fico angustiada.
Primeiro porque moro num prédio a cair de podre, como tantos outros de Lisboa, mas
que com o passar do tempo e dos anos, da falta de condomínio e de manutenção,
está cada vez pior, cada, cada, vez pior… segundo, porque sou a que estou mais
perto do telhado, o que significa que sempre que há chuvadas fortes, eu tenho
problemas em casa. Ontem, quando saí do trabalho e assim que cheguei a casa, a
minha preocupação foi logo ir a correr ver se estava tudo bem. Não estava. Na
sala, junto à janela e perto de um nicho onde existem umas prateleiras embutidas,
quando há chuvadas muito fortes, escorre água – ou de duas rachas que já lá se
encontram instaladas, ou directamente do aplique da luz - e aí sim, fico em
pânico. Depois da forte chuvada do final do dia, a parede acusava o excesso do
peso da água que caiu e por ela abaixo escorriam várias estradas. Corri ao
quarto que, por ser em água furtada e ter janela velux sempre me faz ter o
coração nas mãos, mas não havia sinais de infiltrações e estava tudo bem,
sosseguei. Na cozinha, junto à janela que há dois anos me deu das maiores
aflições da minha vida – com água a cair como se estivesse na rua – também estava
tudo bem. Fiquei mais calma. Rezei para dentro e pedi muito para a chuva parar
e o meu coração sossegar. “Não posso ser
tão negativa” – pensei - “Não posso
ser tão negativa”. Fiz o jantar, dei banho à miúda e, quando estávamos a
terminar a refeição, entre o som que vinha da televisão e a conversa banal à
mesa, um ruído insistia em dar sinal e prendia-me a atenção. Da cozinha caia um
“ping-ping” que se torna cada vez mais familiar e que os meus ouvidos de tísica
detectaram. De um aplique de luz - tenho tecto falso com apliques de luz
embutidos em toda a casa - caía água em direcção ao chão, em pingos cada vez
mais ritmados.
Há dois anos tive este problema
com as primeiras chuvas de Outono. Tive de contratar uma pessoa para vir limpar
os algerozes e ver o que podia ser feito. Tirou lixo, levantou algumas telhas e
pouco mais. Cobrou-me perto de 200 euros e “Tchau
aí”. A coisa ficou resolvida durante uns tempos - pelo menos na cozinha não
houve mais problemas – até ontem. No dia anterior a minha mãe, qual bruxa,
dizia-me: “Tu vê lá que esses algerozes devem
estar a precisar de serem limpos” e eu, muito secamente, respondi, “Foram limpos há dois anos, levaram-me 200
euros para o fazer, tenho lá 200 euros para mandar limpar algerozes outra vez.
Estou farta de gastar dinheiro”, pondo fim à conversa. No dia seguinte acontece-me
isto.
Depois de uma noite em que a
chuva continuou a não dar tréguas, hoje de manhã cheguei à cozinha e estava
tudo seco, os pingos tinham parado. Na sala também não havia sinais de água a
escorrer pelas paredes. Agradeci a algo ou alguém que tenha escutado as minhas
preces e apesar do dia cinzento lá fora, acreditei que o pior já tinha passado.
Mas agora que cheguei ao
trabalho, continuo aqui de coração apertado, a sentir-me insegura e indefesa
perante algo que não consigo controlar e do qual não sei o que fazer,
principalmente quando vejo que lá fora cai outro dilúvio e não sei em que
estado encontrarei a minha casa quando lá chegar.
Odeio viver em casas velhas. Odeio.
Sinto-me tão indefesa e insegura nesta casa que até tenho o sonho recorrente de
que o chão está prestes a partir, então ando muito devagarinho com medo de o
meu peso fazer cair as poucas tábuas de madeira que ainda nos sustêm e digo à
minha filha para não correr nem saltar, porque podemos cair no andar de baixo. Acordo
sempre angustiada quando este sonho me assalta a mente durante a noite.
Sinto que esta casa vai ser a
pedra no sapato da minha vida. O prédio não tem condomínio nem nunca teve, as
poucas pessoas que nele vivem não estão nem aí para o assunto. Pago um
empréstimo ao banco que me leva metade do meu ordenado e que me deixa,
literalmente, com a corda ao pescoço todos os meses. O sacrifício que faço para
conseguir continuar a cumprir com a dívida que contraí para a vida, não é proporcional
à falta de segurança ou de condições que tenho. Se arrependimento matasse, este
seria sem dúvida o grande arrependimento da minha vida, o dia em que decidi
comprá-la, num gesto impulsivo de imaturidade e emancipação. Divorciei-me e
fiquei com este legado nas mãos. Demasiado caro e velho para ter um final feliz
à vista. Vender? É uma hipótese, mas a casa já esteve à venda há uns anos e
ninguém lhe pegou. A solução na altura passou pelo arrendamento, mas quando me
divorciei, por coincidência ou não, o inquilino comunicou que queria sair e para
mim, naquele momento, voltar a esta casa era a solução mais acertada. Afinal
era minha e para quê ir meter-me noutra se tinha de continuar a pagar esta? Fazer
obras? Era bom, mas não tenho dinheiro. Continuar ali? Que remédio. Até quando?
Não sei, mas por mim saía já hoje.
Vou continuar a rezar baixinho e
a pedir que a chuva pare.
2 comentários:
da-se,ninguém merece :(
Também vivo numa casa velha e a chuva para mim também é uma angústia, porque vivo igualmente no último andar. Limpar os próprios algerozes não é assim tão difícil e é uma boa forma de poupar 200€. Eu antes das chuvadas estive a pôr silicone novo em todas as janelas. É o que faço anualmente lá para o fim de outubro, e agora, nesta pequena pausa com sol, vou melhorar os sítios onde ainda entra alguma água. Moro nesta casa há três anos, todos os anos entra menos água. Acredito que um destes invernos não há de entrar nenhuma. Concluindo, experimenta arranjar tu própria. Boa sorte!
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