Depois de ter convencido a minha filha a cortar o cabelo - eliminando os seus desejos de querer ser a Rapunzel em versão morena - eis que ontem, quando saí do trabalho, fui buscá-la à escola, onde a mesma me esperava excitadíssima ao ponto de dizer a toda a gente que ia cortar o cabelo. Estranhei tanta felicidade mas fiquei tranquila, "Isto vai correr bem, pensei". Corremos as duas para o salão de cabeleireiro na esperança de ter vaga, eu não tinha feito marcação. Se der dá, se não der, voltamos noutro dia. Tudo com muita tranquilidade. Quando chegámos a sorte estava do nosso lado e foi logo atendida, com direito a lavagem da cabeça nas cubas destinadas a gente grande. Toda ela inchava de orgulho que nem um pavão. (A minha filha quando fica muito feliz e contente faz "boquinhas", diz "graçolas", fica muito tontinha, e era assim que ela estava.)
A lavagem correu bem e passámos à parte do corte. Expliquei ao cabeleireiro - um brasileiro que me fez o último corte há menos de um mês - que queria o cabelo pelos ombros, todo a direito, sem escadear, apenas simples e fresco para o verão. So far, so good. Ela adora ver-se ao espelho, por isso, estava tranquila e sorridente, sentada na cadeira com um banquinho para ficar ainda mais alta. O resultado adivinhava-se tranquilo e feliz.
Foi quando ele lhe tocou na franja que lhe deu um fanico. Começou a fazer beicinho, eu a ver a expressão dela a mudar, o esforço em conter as lágrimas, até que soltou um muito triste: "Na franja não, eu não quero cortar a franja!". To late.
Ela já tinha franja, foi só dar-lhe um ligeiro "toquezinho" para que continue a ficar para o lado e cresça de forma bonita, mas aquilo afectou-lhe de tal forma a vaidade pessoal e a imagem que tem de si mesma, que a partir daqui foi o descalabro total. Chorou por ter o cabelo curto (ficou pelo queixo), chorou por ter cortado a franja, chorou quando viu os cabelos caídos no chão e continuou a chorar até casa, por mais que eu lhe dissesse que estava bonita e que o cabelo volta a crescer.
A minha pequena criança teve, aos 5 anos, o seu primeiro desgosto num cabeleireiro e chorou como todas nós já sentimos muitas vezes vontade de chorar quando nos cortam demasiado o cabelo. Eu enterneci-me e tentei confortá-la o mais que pude, dizendo-lhe palavras encorajadoras e alimentando-lhe o ego, mas por outro lado só tinha vontade de rir pela graça de a ver cada vez mais crescida e já com opiniões próprias acerca da sua imagem.
Veio o caminho todo no carro muito triste, com ar pesaroso e desconsolada. Só dizia que não queria ter o cabelo "eriçado" (entenda-se, encaracolado). Até nestas coisas o destino é lixado... eu passei a infância e grande parte da adolescência a desejar ter caracóis. Valeram-me 3 permanentes mal sucedidas e umas ondas ao mais puro estilo anos 80 cuja visão se pode imaginar, ainda hoje o meu cabelo é uma coisa sem identidade. Não é naturalmente liso - apesar de toda a gente pensar que sim - e todos os dias me dou ao trabalho, de manhã, de o esticar com o secador. Se o deixo secar ao natural é um misto de indefinição e susto, (o mesmo acontece quando apanha chuva) por isso nem vale a pena deixá-lo ganhar terreno. Já a cria, que tem o cabelo naturalmente encaracolado, que quando era criança tinha verdadeiros cachos de canudos pendurados naquela cabeça, detesta os seu espólio genético.
Depois do drama, eis que hoje já gostou de se ver com o novo corte , "Estou igual à mãe" disse, enquanto se via ao espelho numa tentativa de auto-motivação. Animei-a, mas sei que ela não queria ter cortado tanto e que estava apenas a tentar agradar-me, afinal, a ideia foi minha. Disse-lhe como está gira e que este novo corte de cabelo é bom para o Verão, por causa do calor e para dar mergulhos na piscina, que agora podemos as duas fazer um rabo-de-cavalo pequenino. Ela riu-se e fez gracinhas ao espelho.
Quando chegou à escola, a educadora, auxiliares e amigos encheram-na de elogios assim que a viram. Ela fez boquinhas outra vez e mexia no vestido muito envergonhada mas com o ego a transbordar.
Amanhã já nem se lembra. <3
1 comentário:
Que relato mais ternurento...
Mas coitadinha, que desgosto! Porque é que os cabeleireiros insitem em cortar muito mais do que o que se pede?!!? poem-me doida.
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