A minha filha viu ontem pela primeira vez um arco-irís enorme, com todas as cores, quando fazíamos a viagem de casa dos avós para Lisboa. Chovia mas estava sol e de repente, no horizonte, aquela visão colorida que alegra qualquer alma, quanto mais a de uma criança.
Na altura em que o fenómeno se deu já ela se aninhava na cadeira pronta para dormitar durante a viagem, chamei-a excitada e disse: "Madalena, filha, olha ali um arco-irís, estás a ver?", ela soltou um enorme "Uaauuuuuuu, sim, estou" e ficámos as duas feitas parvinhas, a sorrir e a falar das cores.
De repente disse: "Se eu estivesse no céu, era como se fosse um escorrega" e eu, ao ouvir aquilo, senti uma pontada no peito, como uma dor forte que chega de repente, nos desconcerta por inteiro e nos deixa o coração muito apertadinho. "Se eu estivesse no ceú", a minha filha disse, "Se eu estivesse no céu" e por breves instantes, veio-me à ideia o medo irracional de a perder. Este medo inexplicável que qualquer pai sente perante a hipótese de perder um filho. Aquele medo que queremos afastar para longe do pensamento mas que paira sobre nós em algum momento, mesmo que ela não o tenha dito nesse sentido.
E sorri, por ser tão puro e verdadeiro. Isto tudo ainda a propósito da morte. É que a minha gata - que estava na casa dos meus pais - morreu de velhice há cerca de um mês. Os meus pais, para pouparem a neta da notícia de que a gata morreu e tentando pôr paninhos quentes na situação, disseram-lhe que a gata fugiu... com um namorado! (Há mentira mais ridícula do que esta?) E agora, sempre que vamos lá a casa tenho uma filha a perguntar se a Magali já apareceu, acontecendo o mesmo por telefone sempre que fala com os avós.
A ideia de mentirem à Madalena sobre a gata não me agradou. Para mim as crianças não precisam destas "mentirinhas" de simpatia para as poupar das más notícias, até porque, considero que as crianças - pelo menos da idade da minha - já têm maturidade emocional para saber que um gato ou um cão morreu. Não é fácil, eu sei, mas confesso que me chateia - cada vez mais - os erros que as pessoas cometem tendo como premissa o 'poupar a criança de...' e do 'coitadinha da menina que não precisa de saber essas coisas.'
Eu gosto de explicar à minha filha a realidade e sempre que ela me pergunta alguma coisa eu explico--lhe com naturalidade e dentro do que posso e do que considero que ela vai entender. E ela percebe e entende, às vezes nem faz mais perguntas porque se considera satisfeita e elucidada com a resposta.
Ainda ontem, à mesa, a minha filha perguntou-me o que era "Estudar as letras" e eu respondi, "Estudar as letras é estudar os poetas, os autores, os escritores, a língua", sendo logo interrompida pela senhora minha mãe em jeito de reprovação por "Estar a dizer aquelas coisas à criança", como se fosse desajustada a minha explicação, rematando a mesma com um "Estudar as letras é estudar, querida". Ou seja, a pobre da miúda deve ter ficado na mesma, já que a explicação da minha mãe sobre o assunto não a ajudou a esclarecer a dúvida que tinha.
Acho, cada vez mais, que este hábito tão português de considerar que as crianças são "frágeis" e "coitadinhas", principalmente pelas pessoas mais velhas ou com pouca instrução, continua de tal forma enraizado que se reflecte nas coisas mais banais - tais como, explicar o que é "estudar as letras", a morte, ou o que são pais divorciados - só para mencionar algumas situações que me tocam em particular. Há assuntos que as pessoas consideram tabus, como se fosse mau agouro falar neles, ou acarretassem por si só vergonha em mencioná-los. Confesso que só despertei para a temática porque, eu própria, tenho uns pais assim, prontos para criticar na primeira das oportunidades e onde depois do meu divórcio - e pelo facto de ter ficado solteira e com uma filha para criar - fosse o pior de todos os meus males.
Talvez lhes fizesse bem ler mais artigos do género dos do Público, ou ler em geral.
Por falar nisso, acho que lhes vou enviar o link do artigo por email.
Pode ser que percebam.