segunda-feira, março 02, 2015

Gravidez é estado de graça não de lamentação

Ontem aconteceu uma situação que me deixou um bocadinho fula, ou arreliada, vá. Se há coisa que uma grávida se habitua ao longo de 9 meses a ouvir e a responder, é à pergunta, "Então e como é que está a correr, está a correr tudo bem?". É banal, demonstra preocupação e boa educação. A generalidade das pessoas pergunta isto como desbloqueador de conversa relativamente à gravidez e espera uma resposta igualmente formatada, sem grandes complicações, politicamente educada e a bradar às maravilhas da gravidez e da maternidade como a utopia máxima da vida. Não estão por isso à espera que a pergunta 'kick-off' dê origem a um desenrolar de queixumes ou lamentações, de dores crónicas, de insónias, de problemas de circulação ou de como ainda só estamos a meio do caminho e já estamos fartas de estar grávidas. Não, dizer algo assim é quase uma heresia, é uma ingratidão, é "passar sentimentos negativos para o bebé", é porque és uma pessimista e não tens noção do quão afortunada és, ou do 'estado de graça' que atravessas. Aconteceu ontem perante a pergunta: "então ainda continuas com dores?", como se o facto de dizer tudo aquilo que, efectivamente sinto em relação a esta segunda gravidez, tivesse de ser omitido ou quanto muito 'floreado' para não ferir susceptibilidades. Porque ninguém gosta de ouvir uma grávida dizer que 'está farta de estar grávida'. Não, isso é ser uma ingrata-cabra-fria que não sabe reconhecer o dom que lhe foi concebido.
Meus amigos, saber eu sei e acreditem ou não, estou muito grata por isso. Mas se sinto dores, não durmo, não tenho posição para estar sentada ou deitada e tenho as pernas a parecerem as patas de um elefante às 23 semanas, querem que eu diga o quê? Que está tudo a correr às mil maravilhas só para ficarem contentes e ouvirem aquilo que pretendem? Ficar toda a gente satisfeita porque sinto aquilo que é suposto uma grávida sentir? O facto de estar farta de estar grávida - que, confesso, estou! - não significa que queira que o meu filho nasça já ou que desejo que algo de mal lhe aconteça. Não meus amigos, tenho inclusive muito medo que isso aconteça e quero que o mesmo aqui continue até ao tempo término de gestação, que nasça sem complicações e de preferência acima dos 3 quilos, que não necessite de incubadora e cuidados de neonatologia especiais (batam na madeira), mas isso não significa que eu não possa sentir-me saturada, com pouca energia ou vitalidade, stressada, com dores ou com vontade de exprimir o que me vai na alma. Se não gostam do que ouvem não perguntem. Se não estão preparados para ouvir a verdade não se ponham a jeito. E, acima de tudo, não me façam sentir culpada por dizer aquilo que realmente me vai na alma.
Meto-me a pensar nestas questões - que deveriam ser referidas com naturalidade e que as pessoas deveriam de entender e mostrar solidariedade sem dedos acusadores - e, sinceramente, fico a pensar que não é à toa que tanta mãe sofre de depressão pós-parto. As expectativas das maravilhas da maternidade são tantas - principalmente quando se trata do primeiro filho - as ilusões que se criam são tantas, o embelezamento e o quadro da 'família e bebé perfeito' é tanto que, quando isso não acontece e as mães se veem confrontadas com as suas próprias frustrações, dificuldades e realidade nua a crua, sofrem... e sofrem muito! Porque sentem que "não é suposto sentir aquilo que estão a sentir". Porque se culpabilizam pelo turbilhão de emoções e sensações a que estão sujeitas. Porque se sentem a explodir sem ter com quem desabafar, porque se o fazem em família - como aconteceu comigo ontem - têm o Carmo e a Trindade a cair-lhes em cima, com palavras solidárias como "estás sempre a pensar no pior" ou "isso até faz mal à criança". Não deveríamos todos de ser mais tolerantes? Já todos sabemos que um bebé é uma fonte de alegrias, sim, é verdade, nunca isso esteve em causa, mas não posso sentir que o processo a que estou sujeita até o ter nos meus braços exije demasiado de mim? Principalmente quando já se tem outro filho em casa, continuamos a trabalhar ao mesmo ritmo de sempre - como se não estivessemos grávidas - e não sentimos a mesma destreza e agilidade física da anterior gravidez?
Ou serei só eu a pensar assim? É que desculpem-me, mas não acredito MESMO que seja a única. Deve é haver muita mulher que tem vergonha de o admitir.
 
 
 

1 comentário:

Anónimo disse...


Bom dia:
A próxima vez que lhe fizerem essa pergunta "então ainda continuas com dores?", pergunte logo a seguir:
"queres que minta ou que diga a verdade?".
Se começarem/continuarem com as "tretas" do costume, pergunte:
"Quem é que está grávida e sente as coisas: sou eu ou és tu?"

Que toda corra bem.
Há pessoas que não entendem, ou nem querem saber, que há mulheres que têm boas gravidezes e outras não, mesmo tendo passado uma 1.ª gravidez ótima!