29 de Março. 7h30 da manhã. Domingo. Num dia em que julgávamos que ia ser apenas mais um pacato dia de fim-de-semana, em casa - dada a minha situação - revelou-se ser exactamente o oposto.
Ainda estávamos deitados e a dormir quando acordámos sobressaltados com três ou quatro fortes barulhos que se assemelhavam a tiros e alguém a gritar na rua "Chamem a Polícia". Levantámo-nos e descemos as escadas em direcção à janela da sala para espreitar e ver o que se passava. Sei que ao mesmo tempo foi um erro. Se de facto houvesse alguém aos tiros na rua nunca deveria de ir à janela, abri-la e pôr-me à espreita, mas algo me dizia que não era isso o que estava a acontecer... e de facto, não era. Assim que abri a janela, coloquei a cabeça de fora e olhei para o lado, entrei em pânico. Do prédio vizinho saíam labaredas e fumo negro e quando vi as chamas tão perto do telhado da minha casa julguei que todas as nossas coisas iam arder. Paniquei.
Ligámos logo para o 112 e constatámos que já estavam avisados. Foi também aí que percebemos que o incêndio (ou explosão) não era no prédio imediatamente ao lado do nosso mas no seguinte. Apesar de saber isso não fiquei mais tranquila. Moramos num último andar, as chamas estavam no telhado e podia ser uma questão de segundos até chegar ao nosso e levar tudo avante. Ainda consciente do que deveria de fazer e com a sensação que teríamos de abandonar o edifício o quanto antes, decidi subir ao quarto para me vestir e não ir parar à rua de pijama. Consegui, em menos de nada, vestir umas calças e uma blusa, calçar-me, agarrar num casaco mais quente e ainda na minha mala e nos documentos, assim como numa foto da minha filha que, felizmente, não estava em casa connosco encontrando-se a passar as férias da Páscoa com os avós. Enquanto isso a polícia já havia chegado e batia com força na porta de entrada mandando-nos sair o quanto antes. Olhei por uma última vez para a sala e ainda fui ao quarto da Madalena ver se conseguia trazer alguma coisa. Despedi-me, literalmente, das coisas. Descemos e saímos para a rua.
Na rua os bombeiros já haviam chegado e as pessoas aglomeravam-se. Vizinhos e curiosos, carros da polícia, ambulâncias. Senti-me enervada durante alguns minutos e juro que temi o pior. Devido ao meu estado de gravidez de risco a polícia fez-me sentar dentro do carro deles - foram super prestáveis - e decidiram chamar o Inem para me observar. Eu achei desnecessário, mas lá acatei. Preferia não olhar para o espectáculo dantesco que lavrava no topo do segundo andar do prédio vizinho. Passaram-se horas nesta situação, mas devido à rápida intervenção dos bombeiros o fogo foi controlado e não alastrou aos prédios vizinhos. Depois de observada na ambulância do Inem e de me ter recusado a ir até à Mac, a única coisa que detectaram foi que tinha os valores da glicémia no limite e que tinha de me alimentar. Os polícias arranjaram-me uma barrinha de cereais e uma pêra e obrigaram-me a comer, mesmo quando lhes disse que ia ao café e que não queria estar a comer-lhes o snack que tinham trazido para eles. Não adiantou, aliás, se há coisa que aprendi no meio desta situação toda é que não se discute ou faz teimosia com um polícia, não adianta, eles metem cara de maus e munidos da sua autoridade acatamos e comemos tudo sem piar, como se tivéssemos 3 anos. Com toda a confusão instalada na rua chegaram também os jornalistas e os canais de televisão que procuravam pessoas para dar a cara e contar o que passou. Quando me viram, grávida e junto a um carro da polícia vieram na minha direcção e começaram logo a fazer perguntas com a câmara ao ombro. Disse logo que teria todo o prazer em ajudar, mas que não aceitava ser filmada. Só me faltava aparecer na televisão por causa de um incêndio na minha rua e deixar toda a família que aindannão tinha conhecimento da situação, em polvorosa - os meus pais ainda nem tinham acordado, nem eu ligado a informar do que se passava.
Apareceram por isso as minhas vizinhas do primeiro andar e do rés-do-chão, mas nenhuma delas ouviu as explosões que nós ouvimos, apenas foram alertadas pelo que se estava a passar quando a polícia lhes bateu à porta a mandar sair. Era perto do meio dia quando nos deixaram ir para casa com indicação de fogo extinto e de segurança no prédio. Finalmente pudemos vir descansar e eu estender-me. Acabámos por ver ainda o Jornal da uma da tarde e os directos da TVI, já com a situação controlada e o incêndio extinto apesar de todo o imóvel ardido ter ficado destruído. Fala-se num curto circuito, mas a verdade é que não sabemos muito bem o que esteve na sua origem.
Toda esta situação fez-me ter várias certezas: a primeira é que quero sair daqui o quanto antes. Já tínhamos a casa à venda e depois desta situação é mais que garantido que quero mesmo mudar-me. Eventualmente só o poderei fazer depois de o Afonso nascer - dada a minha situação - mas se se proporcionar antes, não quero saber, nem hesito.
Segundo, é que num momento de aflição, tudo é descartável e relativizamos a importância que damos às coisas. Claro que são as nossas coisas, têm valor sentimental, custaram-nos a ganhar, trabalhámos para as ter, não as queremos perder, é uma vida inteira dentro de uma casa, mas não adianta ter muita coisa, acumular muita tralha, ou não nos libertarmos daquilo que não nos faz falta... porque num momento como o de ontem, podemos perder tudo em menos de um nada.
E essa é a verdadeira lição a tirar desta situação toda. A partir de agora vou tentar focar-me no que é realmente importante e tentar ser mais despojada, dar valor ao que realmente importa.
É que apesar de ter corrido tudo bem (dentro dos possíveis), hoje não consigo deixar de sentir uma sensação de insegurança e de medo por estar sozinha em casa.
É que apesar de ter corrido tudo bem (dentro dos possíveis), hoje não consigo deixar de sentir uma sensação de insegurança e de medo por estar sozinha em casa.
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