Ontem, à saída do banho, enquanto a enxugava e lhe passava o creme pelo corpo, ela exterioriza a sua angústia. "Mãe, porque é que todas as outras meninas são mais bonitas do que eu?"
Fiquei em choque, incrédula com o comentário vindo de uma criança de seis anos. A minha filha considera-se feia e sofre com isso, mas sofre ao ponto de desatar a chorar compulsivamente. Eu, que pensava que ela só iria ter estas crises de insegurança mais tarde e já em plena adolescência, alternei entre o choque inicial e a sensação de "E agora o que é que eu faço? Como é que eu resolvo isto da forma mais sensata possível?". Afinal, qual é o pai ou mãe que não acha os seus filhos lindos? E como é que é possível que uma menina de 6 anos, que cresceu sempre a ouvir comentários como "Estás tão gira", ou "Ficas tão linda", possa ter estes dramas existenciais a atormentá-la? Caramba que isto de ser mulher e insegura pelos vistos é algo que nasce connosco, porque não consigo encontrar outra explicação para aquele comentário. Primeiro perguntei-lhe se alguém tinha dito que ela era feia, ao qual ela disse que não. Depois tentei perceber porque é que ela achava isso, porque é que ela achava que era feia e a resposta surgiu prontamente: "Porque não gosto de nada na minha cara!". Nesta altura eu já suava e sentia o coração a mirrar porque percebi perfeitamente que era ela e mais ninguém que não gostava do que via. Tentei ir pela parte didáctica e educativa da coisa, dando-lhe exemplos de que não somos todos iguais, que há pessoas naturalmente mais bonitas do que outras, altos, baixos, magros, gordos, mas que não podemos fazer nada para mudar isso a não ser lidar com o assunto da melhor maneira possível. Que não podemos mudar a cor dos olhos, o formato da boca ou do nariz, que já nascemos assim (ok, eu sei que poder até podemos, mas achei demasiado cedo para estar com essas conversas) e que temos de saber aceitar e preocuparmo-nos em ser bonitas por dentro, que isso sim é que é importante. Ser amigos dos nossos amigos, pessoas preocupadas, educadas, que estimam os outros e os animais, que respeitam os mais velhos, que ajudam quem necessita, que isso sim é ser bonito. Que há pessoas bonitas por fora e feias por dentro e que não é a beleza exterior que nos define. Dei inclusive um exemplo muito próximo para ela perceber que não tem motivos para se sentir feia, mostrei-lhe a minha pele, fiz-lhe ver que já nasci assim, com este problema e que não posso fazer nada para mudar isso. Que eu não gosto de ter assim a pele feia, as mãos, os pés, os joelhos, o corpo todo, que no verão não uso saias curtas nem vestidos na rua, mas que não há nada que eu possa fazer a não ser cuidar dela o melhor que posso e consigo para a ter o mais 'normal' possível. Que nasci assim e assim vou morrer e que não tive outro remédio a não ser adaptar-me e aceitar. Que quando era criança, os outros meninos me chamavam "pele de galinha" e que eu chorava imenso com isso, até que percebi que não tinha que sentir pena de mim, mas sim valorizar-me. Acho que ela percebeu, chorou muito, abraçou-me forte, ficou com pena de mim, disse que nunca iria "gozar comigo" e que "eu podia vestir saias no verão ao pé dela que ela não se importava". Eu senti-me a derreter e só tive vontade de a carregar novamente na barriga, bem junto a mim, alternando num misto de orgulho e de compaixão, mas depois desta conversa senti-me esgotada e frustrada. Se aos seis anos já temos conversas deste calibre eu não quero pensar como será a adolescência e caramba, temos todas nós (mulheres) de ser tão estupidamente inseguras? Sentir que nunca estamos à altura? Que não somos suficiente? (bonitas, inteligentes, cultas, dedicadas, boas mães, etc., etc.?) Temos continuamente de viver com este sentimento de culpa em tudo o que fazemos? Ou é só característica de algumas? É que eu, apesar da conversa toda didáctica e educativa, bonita e pessoal que tive com a minha filha, na realidade não sou lá muito diferente dela. Tenho tendência a ser negativa e a ver sempre o copo meio vazio em vez de meio cheio. E custa-me, daí a frustração, que ela tenha herdado de mim exactamente essa mesma característica. Pessoas que sentem demais sofrem sempre a dobrar.
Raio de genética.