domingo, janeiro 31, 2010

da entrevista

Correu bem. Foi muito descontraída, cumprimentaram-me como se fosse da casa, com dois beijos na face - algo que me deixou logo desconsertada confesso, não estou habituada a tanta intimidade com a entidade patronal - fizeram piadas e trataram-me por 'tu', eu tratei-os igualmente por 'tu', apesar de muitas vezes me saltar um 'você' e utilizar a terceira pessoa com mais frequência do que aquilo que devia. Andei ali numa indefinição verbal enquanto tentava aparentar um ar calmo e descontraído. A primeira parte correu muito bem, falei do meu percurso profissional, das escolhas, onde estive, o que fazia, por onde passei, porque saí, a segunda parte correu nem sei bem como, quer dizer, não correu mal de todo, mas as perguntas começaram a ser mais pessoais, a irem para o âmbito dos gostos, das leituras, dos filmes que via, das coisas que me despertavam a atenção, do que gostava e a cada pergunta uma branca invadia a minha mente, como se eu fosse um poço sem fundo e sem nada de revelante para, de repente, lá me lembrar de qualquer coisa e dizer, não muito convicta, levando-me novamente a outro extenso e árido deserto.
"Que livros tens como referências?"
E eu a agonizar, sem me lembrar de uma única referência, para de repente, me sair da boca como uma seta o nome: "Miguel Torga. Adoro Miguel Torga, tanto em poesia como em prosa. É uma grande referência minha enquanto escritor e Saramago, embora não goste de todas as obras, mas é um escritor que aprecio. Da juventude destaco a poesia de Florbela Espanca, que foi sem dúvida uma referência importante para mim numa determinada altura da minha vida, Eça de Queirós e Marion Zimmer Bradley, pelas histórias fantásticas que escrevia." - E depois fiquei a pensar, mas quem é que dá o nome da Marion Zimmer Bradley como referência de juventude?! Ninguém!! Burra! Mil vezes burra! Não me lembrei de escritores tão importantes como um Gabriel Garcia Marquez, ou o Mário de Sá Carneiro, nem nada de nada. Nop. Só disse clichés! Só dei respostas que qualquer pessoa podia dar, como se viessem servidos em latas de fast-food. Confesso que só me apetecia cortar os pulsos de tanta vergonha.
"Muito bem... então e filmes? Que filmes gostas de ver e/ou são referência para ti?" - E novamente outro deserto, este ainda pior que o anterior, uma branca gigantesca que me turpava até a vista, as mãos a suarem e embargadas uma na outra e eu sem me lembrar de nada para de repente, desta boquinha, sair apenas isto:
"The Motorcycle Diaries é uma referência para mim... o Orgulho e Preconceito... os filmes do Quentin Tarantino... os do Woody Allen... algum cinema alternativo" - e ali fiquei, a agonizar, sem me conseguir lembrar de filmes que me tenham marcado, quando tenho alguns que para mim são, APENAS e SÓ, os filmes mais importantes da minha vida! Não mencionei o 'Little Miss Sunshine', que é simplesmente genial e 'O' meu filme favorito, nem sequer o 'Eternal Sunshine of the Spotless Mind', que é outro que está no 'Top 5', ou o 'Fabuloso Destino de Amélie Poulin', não fiz referência aos filmes do Almodovar, de quem eu sou fanzérrima, com as suas cores, mulheres e gritarias de alguidar, ou sequer e mais recentemente, o 'Julie & Julia'...
Sou tão estúpida senhores, tão estúpida.
E ele, olhava para mim meio desconcertado, esfregava as mãos na cara e com um ar gozão voltava à carga: "Muito bem, então agora dá-me seis ideias para reportagens/matérias diferentes das demais".
E lá começava o meu coração outra vez a bater que nem um cavalo desenfreado e desvairado, a névoa branca a apoderar-se novamente do meu cérebro do tamanho de um amendoím, a tensão arterial a subir a pique e o 'Tico' e o 'Teco', cá dentro, a perguntarem um ao outro, 'então e agora, o que é que a gente diz?'.
Lá me consegui safar, é certo, embora não estivesse muito convicta de que as ideias dadas eram grande coisa, mas pronto, conseguir lembrar-me de algumas - mesmo que eles pensem que são uma grande bosta - para mim, já é uma vitória.
E quando tudo parecia estar a caminhar para o fim, quando as perguntas difíceis já pareciam ter acabado e eu começava a descomprimir e a voltar lentamente à minha pessoa normal, eis que o cabrão me faz a derradeira pergunta do 'entale':
"Diz-me o nome do Ministro das Finanças".
E pronto, nessa altura, senti-me morrer. Há uma imagem da antiguinha série Ally Mcbeal que elucida muito bem como me senti na altura - senti-me desfazer em água -, como se todo o meu corpo se transformasse em gotas e eu fosse por ali abaixo que nem uma enxurrada.
Eu lembráva-me da cara do homem, eu sabia que sabia o nome do homem, a imagem do estupor do ministro aparecia-me clara e nítida à minha frente, o nariz abatatado, os cabelos grisalhos, os lábios grossos, eu sabia que tinha entregue o orçamento de estado dois dias antes às 3 da manhã numa estúpida pen-drive e que não tinha cumprido o prazo imposto, eu sabia que tinha estado em directo no jornal da noite da Sic - porque o vi - a ser entrevistado pela Clara de Sousa, mas não fui capaz de me lembrar e dizer o nome do sacana do TEIXEIRA DOS SANTOS, acabando por ter de admitir que não sabia. (Mesmo tendo dado esta explicação toda - que era para ele não pensar que eu ando cá neste mundo para ver andar os outros).
Mesmo assim, acho que não me safei... quando ele olhou para mim, vi a desilusão estampada no seu rosto e eu senti-me uma mentecapta.
E de facto sou. Além de ter respondido uma data de clichés, nem sequer sei o nome do nosso Ministro das Finanças. Sou uma merda de jornalista, é verdade, mas pá, isso não se faz ó grandesíssimo filho da mãe!
Agora resta-me fazer figas e pensar que ainda posso ter sorte. Mesmo assim, até estou meio confiante.
SOU MESMO ESTÚPIDA!

4 comentários:

Márcia disse...

Eu trabalho com duas colegas que são substancialmente mais velhas (1 na casa dos 50 e outra já com mais de 60) e sentia-me constantemente burra, estúpida, incompetente, menos capaz, enfim todos aqueles adjectivos que servem para fazer a nossa auto-estima descer a pique, até que decidi inscrever-me num mestrado e fui seleccionada entre milhares de candidaturas (isto mais ou menos na mesma altura que descobri que estava grávida! ops!). Fiz o 1º semestre com boas notas e descobri que afinal sou boa profissional, inteligente, capaz e tenho tantas competência (ou mesmo mais!) que muita gente…

Depois chegou o Eduardo e esquece lá isso do mestrado – LOL, mas tb não tenho muita vontade de voltar, pelo menos por agora, pois basicamente consegui provar a mim mesma que era capaz.

Isto para te dizer que quando estamos muito tempo restritas à mesma realidade e afastadas de outras coisa é normal vermo-nos como estagnadas, básicas, sem qualquer capacidade e isso não corresponde à realidade.

As entrevistas são um género de jogo e tu só precisas de ganhar confiança e à vontade para lidares com “cabrões” que fazem a bela da pergunta do “entale”.

Força e confiança!

Beijos grandes,
Márcia

Clementine Tangerina disse...

Querida Mafalda,

Porque é que já estas a sofrer por antecipação? calma...nao vale a pena sofrer...pode ter corrido mal para ti, como também para eles pode ter corrido bem...depende do ponto de vista e do que eles pretendem...podes muito bem ser seleccionada para um departamento que nao seja necessario saber o nome de todos os ministros...mas sim o nome dos costureiros ou cineastas mais mediaticos do momento! Calma....muita calma!!


Força vai correr tudo bem!

bjinhos dos 2

Mary disse...

que mrd de entrevista digo-te já. lol

Mary disse...

da parte dele, obviamente!!!