sexta-feira, setembro 07, 2007

Rosa Brava



Ontem, sentada no sofá da sala, cuja estrutura velha e gasta já acusa o peso do corpo, de comando na mão e pés em cima da pequena mesa de wengé de formato rectangular, fazia zapping por aborrecimento perante o marasmo televisivo. Foi quando a vi, a ela, de feição rosadas pelo vento gelado da serra, de sorriso maroto e puro, de uma ingenuidade infantil quase imprópria para uma menina de 16 anos. Era a Rosa. A pastora que foi dada a conhecer ao país em Janeiro deste ano e que imediatamente tocou no fundo dos nossos corações. A Rosa queria ir à escola, mas vivia presa a uma serra que tinha tanto de belo quanto de solidão. A Rosa aspirava pelo mundo, o mesmo que lhe chegava em retalhos e que ela insistia em colar para não lhe perder o rasto. E era vê-la em cima do alto do palheiro, de telemóvel em punho, buscando uma rede que nunca lhe trazia respostas, nem chamadas, mas que apenas a fazia suspirar, de sorriso - sempre o sorriso - que alguém se lembrasse dela. Na vastidão das serras a perder de vista, Rosa, de corpo desenvolto, jeans e blusão de ganga pela cintura, parecia uma adolescente como qualquer outra, de vida fácil e despreocupada, que encontra nos Morangos com Açúcar a fantasia da vida que não tem. A realidade de Rosa é outra. Do cimo da serra e rodeada pelas cabras e ovelhas, Rosa olha a beleza em redor com um sentimento de clausura, quase indiferente. Anseia pela liberdade que se esconde além, atrás dos montes e vales que a prendem e aprisionam. Em Gouveia é que está a liberdade e os rapazes que Rosa tanto deseja. Casar é um sonho e aprender uma vontade. Profunda.
A mãe de Rosa, de lenço na cabeça e rosto enrugado pelo tempo, mostra no discurso a dureza da vida que sempre viveu. ‘A Rosa é precisa. A Rosa daqui não sai.’ E Rosa ri-se, resignada com a sua sorte, escondida atrás da porta. Nem as técnicas da segurança social lhe tiram o sorriso do rosto, nem quando ouve a sua mãe dizer alto e bom som, ‘ela que se desemerde’. A Rosa tem apenas 16 anos. A Rosa sonha, diáriamente, do alto da serra, rodeada por orvalhos matinais, neblinas geladas e terrenos acidentados. A Rosa tem apenas 16 anos e passou a ser a minha heroína.
Esta reportagem maravilhosa de Pedro Coelho merece ser revista e revista e revista. Eu emociono-me sempre e já a vi três vezes. A Rosa é brava, como no poema de Ary dos Santos, mas aquela vivência, aquela realidade, eu encontro-a nos livros de Miguel Torga. A Rosa entra nos Contos da Montanha. Eu já a conhecia.

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