quinta-feira, dezembro 27, 2007

nepalês - jantar de Natal

Para aliviar um pouco a pressão natalícia e porque os amigos, os verdadeiros, são como se fossem família, decidimos juntarmo-nos ontem, no rescaldo da festa, para um jantar convívio seguido de troca de prendas e amigo secreto. O local escolhido foi um nepalês que costumamos frequentar pelo menos uma vez por ano – o ano passado celebrei lá o meu aniversário – em Alcântara. O ambiente é pequeno mas acolhedor, o senhor nepalês (julgo eu que seja nepalês) que nos serve, é sempre bastante simpático e extremamente prestável e a mesa que nos calha, é quase sempre a mesma, por ser precisamente a mais comprida e aquela que fica próximo do balcão e de passagem para as casas de banho lá do sítio. Geralmente deliciamo-nos todos com as chamuças e o cheese nan que pedimos nas entradas. Para mim, é mesmo o melhor do jantar, se bem que o batido de manga também não estava nada mal. Já o R. é fã dos cigarros indiano/nepaleses com que nos brindam no final da refeição – perante recusa de todos, que simplesmente os abominam – a mim então dão-me uma azia que nem a digestão faço direito. Já ele, contente e satisfeito, aproveita para comprar logo dois ‘packs’, a um euro cada, que lhe duram uma eternidade. O restaurante abarrotava de gente, o que me faz deduzir, que todos devem ter tido a mesma ideia que nós e procurado algo exótico que fizesse esquecer as calorias e fritos dos últimos dias. (a minha cara é bem mostra disso, com borbulhas gigantes a quererem mostrar toda a sua força e pujança!) Falámos sobre o Natal e o Ano Novo, com algumas sugestões que não me agradaram, pelo que, suponho que, ou ficarei por casa, ou adquiri gostos demasiado requintados (e burgueses) que já não acompanham os demais. Também há a hipótese de estar demasiado cansada para grandes festanças – acho que é mesmo mais isso…
Recebi um livro de máximas, para ler com calma e reflectir sobre uma série de coisas, já eu, dei ao meu amigo secreto, um conjunto de chávenas do Gato Preto, lindíssimas, com efeitos de art-deco, numa caixa preta com arabescos brancos, que me foram baratíssimas. Confesso que até eu gostava de ter umas para mim. Cheguei a casa passava da meia noite, cansada, com sono e desesperada por não encontrar lugar onde estacionar no bairro! (mas será que ninguém foi de férias nesta altura?) Hoje, ainda dei um pulinho ao shopping para ver se as lojas do costume já estavam de saldos, mas além de isso ainda não ter acontecido, tive o azar de, em todas as lojas que entrava, despertar os alarmes, fazendo com que fosse o centro dos olhares de toda a gente e corando de vergonha. Afinal, descobri que a razão de semelhante engano era um cachecol que ‘roubei’ ao C. hoje de manhã, e que pelos vistos, ainda deve ter um código de barras qualquer activado, apesar de já não ser novo. Resignada com a minha sorte, desisti da saga de ‘lamber lojas à hora do almoço’ e fui, juntamente com uma colega, tomar café à esplanada da rua e apanhar um pouco de sol. Ao menos ali, não tinha de abrir a mala para provar a minha inocência, nem disfarçar o rubor que me subia pelo rosto.
Máxima do dia: Roubar o que quer que seja - mesmo que do marido - dá sempre mal resultado.





quarta-feira, dezembro 26, 2007

espírito natalício


















O Natal acabou. Felizmente. Confesso que não sou uma pessoa que prima pelo espírito natalício, e perdoem-me os demais, que adoram esta altura do ano. Natal para mim é sempre sinónimo de grandes stresses, grandes fretes – só porque é Natal e tem de ser – de grandes despesas e de grandes canseiras. E este, mais uma vez, não foi excepção, com a agravante que tivemos de repartir a nossa presença por duas casas, duas viagens, e de tentar agradar a gregos e a troianos. Irrita-me tudo no Natal, o espírito consumista, a hipocrisia das pessoas, o ‘pseudo amor familiar’ - quando passam a maior parte do ano a cortar na casaca e a dizer mal uns dos outros - e os nervos que apanho para conseguir coordenar tudo, comprar tudo, fazer tudo…
Este Natal não tive a presença da minha família, apenas a dele, e talvez tenha sido por isso, que tudo me custou ainda mais. Na segunda-feira, quando parti de casa dos meus pais, seguindo direcção à terra, desatei num pranto como há muito tempo não tinha. Não consegui evitar. Ainda tentei pôr os óculos de sol, tentar que o C. não percebesse, mas nada feito. Fui apanhada em flagrante e não houve como disfarçar.
Estive o tempo todo quase sempre calada. Senti que estava ali por uma questão de obrigação familiar mais do que por vontade. Senti-me descontextualizada, saturada, cheia de vontade de regressar à minha casa, ao meu canto, ao meu sofá, à minha cama.
Ontem fizemos a viagem de regresso toda debaixo de uma chuva contínua, forte, grossa como bagos de uva. Chegámos ao final da tarde. Foi pouco o tempo para descansar e refazer das emoções dos últimos dias. Hoje quase ninguém veio trabalhar. A maior parte ficou em casa a empanturrar-se com os restos dos fritos, das fatias paridas, das filhozes, dos cuscurões. Deixei tudo em casa da minha sogra. Não quero resquícios do natal entranhados no corpo. Já chegou enquanto durou.






sexta-feira, dezembro 21, 2007

paranormal

Ontem fui ao teatro. Deram-nos bilhetes aqui na agência e eu aproveitei logo, porque neste momento, são raras as vezes que tenho oportunidade. A peça era ‘Paranormal’ do Joaquim Monchique, onde o mesmo interpreta sozinho, mais de 16 personagens. Foi engraçado, mas confesso que achei o texto demasiado longo e um pouco repetitivo. Eu, que fiquei sentada logo na primeira fila – lugar que devia de ser considerado um privilégio – já não tinha posição que me valesse e muito menos espaço para esticar as pernas. Mas ainda soltei umas boas gargalhadas, mais não fosse pela genialidade da interpretação, pela encarnação dos personagens sem mudança de indumentária e sem qualquer tipo de adereço, pelo monólogo vastíssimo, pela cumplicidade que muitas vezes sentimos perante o actor, ou as vezes em que o mesmo se ri de si próprio. Foi um serão bem passado, apesar do frio que se fazia na rua, do trânsito caótico - que me fez demorar mais de 40 minutos para chegar ao teatro Mundial – e o facto de, ter um senhor de idade sentado atrás de mim, que mandava piadas em voz alta e fazia comentários que o próprio julgava muito engraçados, para toda a plateia ouvir. (estava capaz de o linchar)
O que me leva a dizer que gosto do Monchique. Gosto mesmo.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Contos VI



















Era uma rapariga de ideias fixas. Pequena mas enérgica, nada escapava ao seu raciocínio rápido e certeiro. Durante o dia, corria desenfreadamente, dando liberdade à sua curiosidade quase felina, ao seu jeito natural de explorar o mundo que a rodeava. Gostava de sentir-se liberta, com o vento a bater-lhe na cara, os cabelos desgrenhados, as pernas expostas ao sentir dos elementos que, quase sempre, mostravam as mazelas física de uma natureza demasiado revolta, demasiado intensa. Via-se cristalinamente, como se numa gargalhada, transportasse retalhos fabulosos que, indefinidos, lhe saiam da garganta em forma de raios de luz, leves e soltos, bailando ao som da sua voz infantil. Possuía a doçura típica dos anos feitos da ingenuidade natural, o calor do sorriso exposto no olhar, transporto para o peito, aberto para a beleza dos dias que lhe corriam como o sangue nas veias. Era uma pequena menina feliz, de aspecto franzino mas de grandes e pronunciados olhos, não mais evidentes que a sua boca delicada e delineada, como um esboço de lápis de carvão, com leves toques fumados de ínfima irregularidade. Por detrás deste devaneio de pura beleza, escondia-se um apetite voraz que geralmente passava despercebido aos olhos de terceiros. O sabor do açúcar mascavado preenchia as suas delícias mais profundas, o motivo pelo qual todos os dias e sorrateiramente à noitinha, retirava da última prateleira do armário por cima do fogão, o pequeno e bojudo frasco de vidro onde, aquela areia dourada reluzia como ouro e, em sôfregas colheradas, a consumia à boca cheia, deixando apenas pequenas e furtivas migalhas pendentes sobre a bancada que denunciavam a sua presença. Quase sempre era apanhada. Não no momento, mas após a satisfação da gula, geralmente no dia seguinte, por uma mãe irritada que tentava a todo o custo não tornar a filha numa lontra faminta com apetite de predador. Ela escutava, indiferente, com olhos de pecadora e a língua fechada dentro da boca de porcelana, sentindo ainda os resquícios do açúcar a percorrerem-lhe o corpo.
Mas nada, nem o doce sabor amarelo, a fazia suspirar de tentação como a leve e proibida farinha láctea que a mãe raramente lhe dáva a provar. Esse manjar, requintado, quase profano, estava confinado a ocasiões especiais – que quase sempre – nunca estavam relacionadas com a sua pessoa. Nos breves momentos em que presenciava o cheiro, sentia que perdia o juízo, as forças fraquejavam, inebriada que ficava com semelhante odor, imaginando a riqueza da consistência, a mistura do leite quente com o toque molhado e macio daquela textura rugosa. A última vez que lhe sucedera semelhante episódio, foi quando receberam em sua casa, a visita tia Teresa e esta, acabada de ser mãe havia pouco mais de sete meses, levou consigo uma enorme caixa de farinha láctea que servia de alimento ao seu pequeno rebento chorão. Como o peito havia secado logo cedo, não restava outro remédio à tia Teresa, senão socorrer-se da sagrada farinha para alimentar o Manelinho como uma verdadeira e bem tratada criança merece: cheia de gordos refegos e pregas visíveis a olho nu, que encontravam contraste com a pele da barriga, macia e saliente, tal como um pequeno e estaladiço leitãozinho. A visita da tia Teresa durou dois dias, o espaço de um breve fim-de-semana, que para ela, lhe pareceu uma tortura maquiavélica, quando à hora da refeição, lhe presenteavam canja de galinha com massa e à sua frente, preparavam o repasto daquele minúsculo ser que ainda nem sabia dar valor ao verdadeiro néctar que lhe escorria garganta abaixo. Invejava-o. Queria voltar a ser pequenina para, só assim, poder desfrutar novamente daquele sabor celestial. Nada feito. Nunca, em situação alguma, a sua mãe e a sua tia, a deixaram sequer, aproximar-se do fumegante prato de papa, ou tão pouco, lamber o resto pendente da colher que, diariamente, ficava esquecida na pia e que ela, tentava desesperadamente esconder no bolso do bibe de padrão vichy azul escuro, que a mãe, em tempos, lhe tinha feito com restos de tecido de uma velha toalha.
A sorte pareceu mudar no final desses dois torturantes dias. A tia Teresa, agitada pelos inúmeros sacos e malas do Manelinho que tinha de transportar até à estação, arrumou tudo apressadamente, deixando a famigerada caixa de papa em cima da bancada da cozinha. Ela observava a tia e, entre si, rezava desesperada, para que a pressa se sobrepusesse ao esquecimento, fazendo com que o brilho metálico da embalagem da farinha láctea, acabasse por ficar ofuscado pelas fraldas, biberões e brinquedos do primo nas agitações próprias das partidas não programadas. Assim aconteceu, inundando-a da sensação triunfante que a vida nos revela nos pequenos momentos. Agora, podia calmamente delinear o seu plano e esperar, voltar a sentir, o prazer morno daquela desgustação quase imaginária.
Nos dias que se seguiram à partida da tia, tentou desesperadamente abrir a caixa metálica, que por ser nova e com pouco uso, possuía uma força anti-natura que exigia demasiado esforço do seu corpo lingrinhas e esgalgado. Todos os dias, à noitinha, passava horas a contemplá-la, esquecendo-se por completo do açúcar mascavado e imaginando o seu conteúdo, ou a forma como chuparia os dedos lambuzados, um por um, não desperdiçando nem uma única gota de leite. Tentou desesperadamente abri-la por todas as formas que conhecia. Socorreu-se das mãos, apertou-a, encaixou-a no corpo, debruçou-se sobre ela num verdadeiro esforço motriz, enquanto os seus pequenos e miúdos dedos a comprimiam e o rosto se contorcia numa expressão de dor. Nada feito. Imperceptível e inflexível, a caixa metálica continuava a deter a farinha láctea como um tesouro bem guardado só revelado a alguns merecedores.
Enlouquecida, farta, mas ainda não totalmente resignada, socorreu-se daquilo que de melhor tinha, o verdadeiro motivo de tamanha vontade, daquela gula sôfrega e ansiosa, daquele palpitar que já não conseguia controlar e, num acto de fúria quase animalesca, cravou a sua boca feita de traços vãs de artistas, na embalagem metálica que não acusou semelhante pressão.
Apenas os dentes se partiram, não aguentando a missão que os esperava.

terça-feira, dezembro 18, 2007

É neste tipo de manifestações que eu encontro a vontade para continuar...
'olá querida amiga

se não fosses tu a nossa medicina continuava parada
parabéns pelo teu nobre esforço e imensa coragem
nós estamos sempre aqui e eu apoio-te incondicionalmente
abraços muito amigos
msousa'
O mail do Dr. Mário encheu-me de alegria, tanta, que hoje de manhã quando o li, senti os olhos encherem-se de lágrimas.

Do fim-de-semana


















Com tantas coisas que têm acontecido, esqueci-me de actualizar o post sobre o fim-de-semana em que o C. fez 30 anos. No Sábado o dia estava solarengo mas frio, e por isso, decidimos ir passear até Cascais e experimentar o Sushi Guia que foi uma estreia para ambos. A vista privilegiada de mar, a falésia, a decoração do espaço, ou até mesmo, as árvores centenárias que fazem parte dos jardins da Casa da Guia, tudo me pareceu perfeito, até à altura em que entornei, por duas vezes, molho de soja por toda a minha blusa branca coroando-a de 'medalhas'... A rematar, uma bela taça de gelado de feijão com morangos flambeados, de se comer e chorar por mais.
No dia de aniversário do C. tinha em mente a noite. Parece contraditório, mas a razão tinha um forte motivo: uma pequena festa surpresa com todos os amigos, no bar de jazz as Catacumbas, no Bairro Alto. Andámos a semana toda a matutar 'no que é que havemos de fazer', para depois, à última da hora, conseguirmos arquitectar um plano que o levasse até aquele sítio para ser surpreendido por todos. Não foi difícil devo confessar. A meio da tarde disse com um ar nostágico, 'apetecia-me ir jantar ao Põe-te na Bicha, no Bairro' e ele, rapidamente, fez-me a vontade. Já no restaurante, voltei a fazer outra sugestão: 'Podíamos dar um saltinho ali às Catacumbas e ir tomar um copo, já há tanto tempo que não vamos lá...' e ele, voltou a morder o isco. Foi assim o dia todo. As pessoas ligavam e ele dizia: 'Epá, logo vamos tomar um copo?' e todos, sem excepção, lhe deram nega, conspirando neste plano diabólico que era 'deixá-lo sem companhia no dia de anos'. Confesso que houve uma altura em que tive mesmo pena dele. Estava bastante cabisbaixo, às tantas queixou-se: 'Fogo, ninguém pode' e eu lá tive de fazer o papel da mulher velhaca: 'então, devias ter combinado tudo mais cedo...'
O esforço valeu a pena. Chegámos às Catacumbas e conseguimos surpreendê-lo. Teve direito a bolo com 30 velinhas e tudo. Cantámos os parabéns, rimos bastante e a expressão dele estava mais leve, menos carregada.
Agora, quem o quer ver é agarrado ao novo brinquedo... que eu, feita tonta, lhe fiz questão de oferecer: a playstation portable.
Ele fez 30 é certo, mas continua a comportar-se como um miúdo.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

fim de ano, novos começos?

Estes últimos dias do ano têm sido intensos, física e emocionalmente. Depois da passada quinta-feira ter ido fazer a conização à Cuf Descobertas e de toda a experiência traumatizante que aquela ‘pequena cirurgia’ me causou, hoje foi dia de acordar cedo, muito cedo, e enfiar-me na sala de espera do Hospital Curry Cabral – onde, numa segunda-feira de manhã - não podia ser mais deprimente. Apesar de tudo, encarei as coisas com uma calma quase anti-natura, pelo menos no que toca à minha pessoa, sempre nervosa e demasiado excitada.
A verdade é que não criei qualquer tipo de expectativas. Já estive mais ansiosa em relação a este assunto. (Pronto, reconheço que minto, porque durante a noite acordei um par de vezes e olhei sofregamente para o relógio para me certificar de que não tinha adormecido, ou quantas horas ainda me restavam de sono.)
Hoje, apesar de saber à partida de que iria receber o resultado da biópsia que fiz há uns meses, não me empolguei, não criei ilusões, apenas queria ouvir o que tinham para me dizer. E o que me disseram, é que afinal, a Ictiose que durante os 29 anos sempre pensei ser ‘Vulgar’, é, não mais nem menos, uma forma mais rara da doença: Ictiose Bulhosa de Siemens.
Isto faz com que novas esperanças ocupem o lugar de frustrações antigas. Começa por mais um pedido de realização de teste genético. Até aqui tudo bem. A teoria é realmente uma coisa bonita, o difícil está em torná-la prática. Neste momento possuo duas hipóteses: ou ir pelo meu próprio meio, contactando directamente com uma clínica em Antuérpia e tentando enviar uma amostra do meu ADN por via DHL, - pagando todos os custos inerentes ao estudo do meu próprio bolso - ou, esperar meses por uma consulta num hospital público e no serviço de genética e tentar que me encaminhem no sentido que pretendo. A médica que me acompanhou no serviço do Curry Cabral foi bastante simpática, apesar de eu ter noção, de que ela não sabia quase nada acerca da minha doença e que estava a anos luz do que era possível fazer em termos de tratamentos. Não me revoltei, nem tentei refutar o conhecimento adquirido. Acenei a tudo com um gesto repetitivo de cabeça, concordei com as afirmações feitas, decidida de que de uma forma ou de outra, eu consigo lá chegar pelos meus próprios meios e vontade férrea. O resto, como costumam dizer os americanos, são ‘peanuts’. Seja com for, encaminhou-me para o serviço de genética da Maternidade Alfredo da Costa, a meu pedido. A partir de agora é comigo. No entanto, e porque o lado humano nestas coisas também pesa, e porque finalmente, acho que um médico tem noção de que um futuro filho com esta doença, terá sempre a vida condicionada negativamente, pediu-me que a fosse actualizando. Quer saber como irá evoluir a minha história, a minha condição de ‘mulher que luta por um objectivo seja porque meio for’. Deu-me o seu email pessoal, assim como a carta de recomendação para a MAC e o resultado da biópsia. Guardei tudo como um tesouro na minha enorme mala, entalado entre páginas do livro Equador que só agora me atrevi a ler e o qual não consigo parar. (adoro quando os livros me provocam este efeito.) Saí do hospital calma e sem uma sensação de euforia que geralmente caracteriza as minhas vitórias, com as mãos demasiado geladas para me sentir sequer, confortada na alma. Sei que irá começar uma batalha maior ainda.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

One

Ontem fiz finalmente a conização na Cuf Descobertas. Foi o exame/cirurgia que mais me custou na vida. Confesso que durante o tempo em que lá estive, deitada naquela marquesa, em posição de esforço, me senti miserável e pequena - e eu nem costumo ser piegas com estas coisas - mas ontem doeu a sério. As lágrimas cairam-me pela cara abaixo o tempo todo. Os nervos fizeram com que o meu corpo tremesse repetidamente, contraindo-se e dificultando ainda mais a realização de todo o procedimento – já de si bastante difícil. A médica falou comigo como se eu fosse uma adepta do queixume sem sentido. No final, retiraram-me um pedaço de cólo de útero do tamanho de um berlinde grande. Ela agitou o frasco repetidamente, e em jeito glorioso, disse triunfante: “Está a ver? Ainda foi um bom pedaço de cólo de útero”, como se eu devesse ficar feliz perante aquela notícia. Levantei-me com esforço, sentia a perna esquerda tão dormente que começou a ficar roxa. O sangue quase não circulou durante os cerca de quarenta minutos em que estive naquela posição. Vesti-me com esforço e ainda cambaleante. Ainda estive mais de uma hora na sala de espera após o exame, onde fui atendida por uma recepcionista arrogante e descontrolada perante as inúmeras queixas das pessoas presentes. Consegui andar até ao parque de estacionamento apesar das dores e trazer o carro para casa.
Senti-me sozinha, muito, muito, sozinha.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

contos V


















Os seus olhos cruzaram-se por breves segundos. Foi quanto bastou. Ele entrou e ela, que já se encontrava sentada, reconheceu-o. De imediato.
Sentiu as pernas fraquejarem, as mãos contrairem-se num gesto nervoso, a suaram friamente, embrulhadas uma na outra, presas pelo inesperado do momento. Bruscamente derreteu-se de emoção. O coração acelerado, o peito num reboliço de dia de temporal. Tentou agir naturalmente, mas sentia as faces quentes, o olhar rápido e inseguro. Todo o seu corpo a traía. A expressão manteve-se neutra, quase perplexa. Depois de tanto tempo, tantos anos, ei-lo, ali, bem defronte de si, como se fossem dois estranhos que se cruzam no metro, à saída de um banco, ou num qualquer café. Achou-o gordo e balofo, anafado, mas nem isso a demoveu do turbilhão de memórias que rapidamente lhe assolaram a mente. Tanto tempo a pensar nele, a idealizá-lo, a suspirar perdidamente, a imaginar onde estaria, o que faria, para vê-lo assim, sem pré-aviso, com a sua ligeira barriga saliente e o cabelo em cachos compridos, que lhe pendiam pelos ombros, dando-lhe um ar decadente de anjo barroco.
Uma sensação doce e morna de vitória invadiu-lhe o corpo. Sentiu-se poderosa. Ali estava ela, igual ao que sempre fora, depois de tudo o que sentira por ele, mais forte e segura do que nunca, enquanto que à sua frente residia a fonte do desejo de tempos idos, com o seu ar plácido e os seus pézinhos toscos, a cara papuda e redonda, o olhar mortiço, a expressão apática. Mesmo assim quis regredir no tempo. Perdeu-se no terno passado das recordações, quase sentiu o sabor quente dos beijos e carícias, dos sorrisos abertos de amor intemporais, das promessas feitas de futuro a dois, das palavras tomadas como verdadeiras.
De repente acordou. Sentiu o peso do corpo na cama, o toque frio da pele contra a sua, o bafo quente de um hálito que despertava para mais um dia.
Não era ele que estava ao seu lado.

domingo, dezembro 09, 2007

reviver


















Foi um fds em que senti as lágrimas nos olhos nos mais variados momentos.
No momento em que entrei na casa nova dos meus pais e vi, como tudo tinha um sentido próprio, uma permanência, como se a vida, por muito dura e sofrida, tivesse realmente uma missão destinada a cada um de nós. Vi-a nos olhos chorosos da minha mãe, nas inúmeras vezes em que ela dizia a si própria, como que resignando-se, que tudo parecia um sonho, na forma como repetia ‘pergunto-me se mereço’, na alegria controlada do meu pai enquanto ouvia um dvd dos Queen na sala, depois de ter aprendido a mexer no leitor.
Vi-a no reencontro que tive com a minha professora da segunda e terceira classe, velhinha, com oitenta anos, de bengala na mão mas desenvolta nas palavras, enquanto me agarrava de comoção e de sorriso aberto e franco repetia: ’esta rapariga era muito esperta, era muito esperta’. Aquilo comoveu-me, a sério. Não resisti e soltei lágrimas francas, sinceras, à frente de todos os que me acompanhavam quando me agarrei àquele pequeno corpo. Foi como se tivesse regredido vinte anos e visse uma Dona Aida que chegava à escola numa carrinha Renault 4L, cor de laranja, onde o marido – o Sr. Eduardo – a deixava no cruzamento e um grupo enorme de meninos acorriam a recebê-la. A mesma Dona Aida que escrevia nas fichas de avaliação, que eu era muito boa aluna a português e extremamente aplicada, só tinha um senão: falava demais. A mesma Dona Aida que tinha uma enorme cana de bambu, polida e comprida, que chegava a todos os cantos e carteiras da sala e com a qual me dava muitas vezes, em cima da cabeça, como sinal de reprovação para me calar. (Já nessa altura o defeito da comunicação conspirava contra mim.)
Vi-a nos olhos doridos da minha avó, que me abriu a porta de casa, coxa e mirrada pelo tempo, enquanto me agarrava na mão e sorria de alegria perante a foto que lhe trouxe. Eu, de branco, vestida de noiva, no casamento ao qual ela não pôde assistir, com o cordão de ouro que lhe pertencia em jeito de singela homenagem. O sorriso dela cresceu, os olhos humedeceram-se, a voz falhou. O seu rosto magro e o cabelo claro iluminaram-se, tirou o lenço que trazia no bolso e passou-o de forma rápida pelo rosto enrugado, invocou os santos e os anjos protectores, falou de todas as fotos minhas que existem espalhadas pela casa, inclusive aquela em que tenho como protectora Nossa Senhora de Fátima. O C. assistia a tudo, com um sorriso nos lábios e uma expressão de compreensão no olhar.
Este fim-de-semana senti-me perdida nas memórias e nas emoções. Quis ser pequenina outra vez, sentir que tinha a vida toda pela frente, desejar ardentemente pelo dia de amanhã. Não ter de acordar, nem chorar, nem temer… apenas sorrir. Apenas sorrir.


sexta-feira, dezembro 07, 2007

Contos IV


















Era uma mulher amargurada e ressentida debaixo daquela aparência calma, a pele branca, os olhos muito verdes, quase incisivos. De tez pálida e de feições delicadas, apenas o vinco marcado nos lábios finos e cerrados deixava transparecer o turbilhão de frieza que residia naquele pequeno mas desenvolto corpo. A voz era pausada, a linguagem articulada, quase doce. O cabelo era de um louro cinza, deixando a luz de final de tarde, revelar matizes cor de pérola, que lhe transmitiam uma aura de candura aos olhos de terceiros.
Apenas os lábios a denunciavam. Os lábios finos. Os mesmos lábios que em tempos o tinham beijado. Os mesmos lábios que tanto amor tinham dado, que tantos beijos tinham trocado, estavam agora cerrados, fechados, contraídos numa linha recta, com os cantos pendentes, caídos. E os olhos. Os olhos verdes, salientes, grandes como faróis, que quando o viam se iluminavam. Olhos que sorriam, lábios que viam. Ambos, revelando-se em todo o seu antigo esplendor e glória quando ele chegava. Olhos que se abriam como dois braços que pedem o calor de um abraço. Lábios que se convertiam numa curvatura de alegrias. E o coração dela ilumináva-se. Enchia-se de luz. Por momentos esquecia-se das amarguras, das dores, do frio, do facto de estar isolada numa terra de ninguém, da outra que lho tinha roubado, a ele, que ela tanto amava. Não lhe perdoaria. Nunca. Antes morta. Ela, de tez escura e encardida, com grandes olhos cor de azeitona, de traços banais e simples, alta como um girassol desfolhado, sempre tão prestável, tão desenvolta, tão despachada. E ela ali, com aquele porte clássico, aquela beleza senhorial, aqueles olhos verdes, confinada a um sítio demasiado pequeno e tacanho, destinada à vida de uma simples e banal mulher do campo. Não suportava a ideia de saber que ela lhe tocava. Não suportava vê-los, aos dois, trocando carinhos e carícias, beijando-se como se o mundo inteiro lhes pertencesse. Nessas alturas, os lábios contraiam-se ferozmente, fechavam-se perante a dureza dos pensamentos que lhe varriam a alma e os seus grandes olhos verdes e grandes como faróis, acompanhavam, tornando-se duros, acutilantes. Quase que a conseguia esbafotear. Só com um simples olhar. Por vezes desejava que ela morresse. Só para saber que ele tornava a si, puro e casto, como ela sempre o tivera, tão pequenino, tão indefeso. Suspirava pela tristeza e infelicidade de não poder tornar reais os seus desejos mais profundos. De saber, bem diante dos seus olhos, que afinal era a ela e não a si, que ele mais dáva atenção. E a outra ali, na sua casa, à sua frente, nos braços dele, era mais que um insulto, era uma provocação, uma afronta, um desafio à sua moral, aos seus lábios finos e contraídos, aos seus grandes olhos verdes.
Era uma facada no seu coração de mãe.

quinta-feira, dezembro 06, 2007

partida



















A R. vai-se embora. Outra vez. Para longe, muito longe. Não sabe se volta. Outra vez. Vai com o coração ao largo e a esperança na alma, que neste momento é a única coisa que lhe serve de consolo.
Não ando preparada para tantos abandonos e reencontros é a conclusão a que chego.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Conto III


















Joana brincava sozinha, rodeada pelas altas e alvas paredes da casa senhorial onde vivia. Tinha as bochechas rosadas, os cabelos louros cor de mel, apanhados em dois enormes carrapitos presos com laços de cetim bem no alto da cabeça, o vestido apertáva-lhe o peito sempre que se mexia. As amas recebiam ordens restritas de que a menina tinha de andar sempre imaculada e vigiavam-na constantemente, não fosse o vestido rasgar-se, ou os bordados ingleses do seu peitilho e baínhas ficarem negros pela sujidade. Não tinha ordens de brincar cá fora, no jardim, sem ser em cima de uma manta quadrada e de tecido ao xadrez onde espalhavam os seus brinquedos que saiam perfeitamente alinhados de uma enorme caixa forrada a linho e com um cheiro adocicado a alfazema e rosmaninho. Joaninha olhava as amas com indiferença. Pensava muitas vezes, secretamente, que um dia rebolaria os seus imaculados vestidos na parte mais lamaçenta do jardim. Aquela junto à pequena fonte com a estátua de Vénus bem ao centro, cheia de verdete e com um dedo da mão em falta, que com olhos de monja, olhava petrificada a envolvência em seu redor.
Idealizava muitas vezes como o faria, qual o momento mais oportuno para conseguir escapulir-se, ela e os seus pesados vestidos, para o meio das poças de água escura, num verdadeiro acto de provocação. Imaginava os salpicos enormes a cairem sobre o tecido branco pérola, os seus laços de cetim amarrotados e irremedíavelmente perdidos, as meias da mais fina renda de Viana rasgadas, as saias puxadas até acima, mostrando os culotes.
Apesar dos seus tenros sete anos, Joana sonhava em contestar as suas amas, em provocar uma verdadeira revolução na ordem restrita e pacata em que o seu mundo se desenrolava. Invejava as filhas dos caseiros, sempre tão soltas e tão libertas, correndo descalças pelo jardim, salpicando os pés na terra húmida e fresca, com os seus cabelos desalinhados, rosadas pelo vento, com os mesmos vestidos dia após dia. Odiáva-as secretamente, enquanto se divertiam penduradas nas árvores, enquanto comiam a fruta tenra que trincavam ferozmente sem os propósitos das meninas educadas, bebendo o sumo fresco que lhes escorria pela boca como se água fosse e limpando os lábios molhados à manga gastas e sujas. Nada as faria parar, todo o mundo era delas e no entanto, ela ali estava, cingida à sua manta quadrada com tecido ao xadrez, sem poder ir além de uns meros centímetros, vigiada por quadro monas de mármore que lhe seguiam os passos. Imaginava o dia em que cairiam todas, tumbando uma por uma, como se um sopro lhes tivesse retirado toda a força de viver e ela, a única que sobreviveria a tamanha proeza, descalçar-se-ia e puxando os vestidos que a oprimiam e apertavam, colocaria o pé fora da manta, sentindo a terra do jardim penetrar-lhe a pele, cheia de textura irregular e no entanto, suave, como uma carícia que chega devagar e que encontra o prazer da tentação proíbida.
Pensou em tudo isto, imaginou cada segundo, cada forma, cada passo que daria, cada salpico, cada nódoa, desejou secretamente, tanto que até o peito lhe doía da emoção, a respiração sustinha-se por breves momentos, sentiu um ligeiro corar por se permitir a tais pensamentos, lentamente acalmou-se e sentiu todo o corpo abrandar, como se tudo não tivesse passado de um louco devaneio impróprio para uma menina de sete anos. Foi então que uma chuva miudinha, irregular e indefinida que apareceu sem pré-aviso, se transformou num aguaceiro forte, compacto, duro como uma pedra, que rapidamente alagou todo o jardim, transformando a terra num repentino ribeiro de lama que alagou a manta de xadrez e a caixa de linho, sujando o vestido de bordado inglês e as meias de renda de Viana da Joaninha. Perante os gritos histéricos das amas, que tentavam apressadamente apanhar todos os brinquedos espalhados para dentro da caixa de cetim, Joaninha, permanecia estática e imovél como a estátua de Vénus. Apenas a denunciava um ligeiro sorriso de satisfação estampado no rosto.
Finalmente sujára-se.


terça-feira, dezembro 04, 2007

bruma

Hoje, o nevoeiro cerrado que consigo ver através da janela onde me encontro sentada a trabalhar, está em sintonia com o nevoeiro que me vai no coração.
Denso, denso. Muito denso.

domingo, dezembro 02, 2007

Tokyo

A discoteca Tokyo (sim, essa mesmo que estão a pensar), tornou-se no meu sítio de Lisboa favorito para ir dançar. Apesar de ficar numa rua muito mal frequentada, de ser praticamente um barracão velho com pouca iluminação e circulação de ar, onde o espaço é diminuto e o calor é muito, a música - muito rock´n roll e 80's - é sem dúvida, excelente, para quem, como nós, gosta de ouvir velhinhos hits dos Nirvana ou Faith no More. O ambiente é revivalista, não pelas pessoas, mas pela música e a maioria de idades, ronda os trinta para cima, o que é bom, pois já não sentimos que 'destoamos' entre a multidão.
Ontem, depois de um longo período de ausência regressámos, acompanhados por um dos nossos casais amigos favoritos, prontos a aproveitar a noite de Sábado ao máximo. A C. e o P. decidiram vir até Lisboa, jantar em nossa casa e aproveitar para cá passar a noite. Depois de um repasto bastante picante de 'chili com carne' - em que eu abusei das malaguetas -, decidimos começar a noite com um cafézinho na Brasileira do Chiado, aproveitando para em seguida dar um saltinho ao Bicaeanse, onde, na rua e de copo na mão, metemos a conversa de longos meses de ausência em dia. Depois, bom, depois foi seguir até ao Cais do Sodré e dançar até os nossos pés aguentarem. Rumámos a casa às quatro da manhã - hora em que o próprio Tokyo fecha, mas ainda ficámos na converseta na sala e em pijama até às cinco e meia. Hoje sinto-me um caco - estas noitadas já não são frequentes e destabilizam-me o organismo. Em suma, estou velha, mas que foi bom, foi.