sexta-feira, dezembro 07, 2007

Contos IV


















Era uma mulher amargurada e ressentida debaixo daquela aparência calma, a pele branca, os olhos muito verdes, quase incisivos. De tez pálida e de feições delicadas, apenas o vinco marcado nos lábios finos e cerrados deixava transparecer o turbilhão de frieza que residia naquele pequeno mas desenvolto corpo. A voz era pausada, a linguagem articulada, quase doce. O cabelo era de um louro cinza, deixando a luz de final de tarde, revelar matizes cor de pérola, que lhe transmitiam uma aura de candura aos olhos de terceiros.
Apenas os lábios a denunciavam. Os lábios finos. Os mesmos lábios que em tempos o tinham beijado. Os mesmos lábios que tanto amor tinham dado, que tantos beijos tinham trocado, estavam agora cerrados, fechados, contraídos numa linha recta, com os cantos pendentes, caídos. E os olhos. Os olhos verdes, salientes, grandes como faróis, que quando o viam se iluminavam. Olhos que sorriam, lábios que viam. Ambos, revelando-se em todo o seu antigo esplendor e glória quando ele chegava. Olhos que se abriam como dois braços que pedem o calor de um abraço. Lábios que se convertiam numa curvatura de alegrias. E o coração dela ilumináva-se. Enchia-se de luz. Por momentos esquecia-se das amarguras, das dores, do frio, do facto de estar isolada numa terra de ninguém, da outra que lho tinha roubado, a ele, que ela tanto amava. Não lhe perdoaria. Nunca. Antes morta. Ela, de tez escura e encardida, com grandes olhos cor de azeitona, de traços banais e simples, alta como um girassol desfolhado, sempre tão prestável, tão desenvolta, tão despachada. E ela ali, com aquele porte clássico, aquela beleza senhorial, aqueles olhos verdes, confinada a um sítio demasiado pequeno e tacanho, destinada à vida de uma simples e banal mulher do campo. Não suportava a ideia de saber que ela lhe tocava. Não suportava vê-los, aos dois, trocando carinhos e carícias, beijando-se como se o mundo inteiro lhes pertencesse. Nessas alturas, os lábios contraiam-se ferozmente, fechavam-se perante a dureza dos pensamentos que lhe varriam a alma e os seus grandes olhos verdes e grandes como faróis, acompanhavam, tornando-se duros, acutilantes. Quase que a conseguia esbafotear. Só com um simples olhar. Por vezes desejava que ela morresse. Só para saber que ele tornava a si, puro e casto, como ela sempre o tivera, tão pequenino, tão indefeso. Suspirava pela tristeza e infelicidade de não poder tornar reais os seus desejos mais profundos. De saber, bem diante dos seus olhos, que afinal era a ela e não a si, que ele mais dáva atenção. E a outra ali, na sua casa, à sua frente, nos braços dele, era mais que um insulto, era uma provocação, uma afronta, um desafio à sua moral, aos seus lábios finos e contraídos, aos seus grandes olhos verdes.
Era uma facada no seu coração de mãe.

2 comentários:

cassiopeia disse...

tenho gostado muito de te ler *

Unknown disse...

:)

*