sexta-feira, dezembro 19, 2014

Genético e intransponível

Ontem, à saída do banho, enquanto a enxugava e lhe passava o creme pelo corpo, ela exterioriza a sua angústia. "Mãe, porque é que todas as outras meninas são mais bonitas do que eu?"
Fiquei em choque, incrédula com o comentário vindo de uma criança de seis anos. A minha filha considera-se feia e sofre com isso, mas sofre ao ponto de desatar a chorar compulsivamente. Eu, que pensava que ela só iria ter estas crises de insegurança mais tarde e já em plena adolescência, alternei entre o choque inicial e a sensação de "E agora o que é que eu faço? Como é que eu resolvo isto da forma mais sensata possível?". Afinal, qual é o pai ou mãe que não acha os seus filhos lindos? E como é que é possível que uma menina de 6 anos, que cresceu sempre a ouvir comentários como "Estás tão gira", ou "Ficas tão linda", possa ter estes dramas existenciais a atormentá-la? Caramba que isto de ser mulher e insegura pelos vistos é algo que nasce connosco, porque não consigo encontrar outra explicação para aquele comentário. Primeiro perguntei-lhe se alguém tinha dito que ela era feia, ao qual ela disse que não. Depois tentei perceber porque é que ela achava isso, porque é que ela achava que era feia e a resposta surgiu prontamente: "Porque não gosto de nada na minha cara!". Nesta altura eu já suava e sentia o coração a mirrar porque percebi perfeitamente que era ela e mais ninguém que não gostava do que via. Tentei ir pela parte didáctica e educativa da coisa, dando-lhe exemplos de que não somos todos iguais, que há pessoas naturalmente mais bonitas do que outras, altos, baixos, magros, gordos, mas que não podemos fazer nada para mudar isso a não ser lidar com o assunto da melhor maneira possível. Que não podemos mudar a cor dos olhos, o formato da boca ou do nariz, que já nascemos assim (ok, eu sei que poder até  podemos, mas achei demasiado cedo para estar com essas conversas) e que temos de saber aceitar e preocuparmo-nos em ser bonitas por dentro, que isso sim é que é importante. Ser amigos dos nossos amigos, pessoas preocupadas, educadas, que estimam os outros e os animais, que respeitam os mais velhos, que ajudam quem necessita, que isso sim é ser bonito. Que há pessoas bonitas por fora e feias por dentro e que não é a beleza exterior que nos define. Dei inclusive um exemplo muito próximo para ela perceber que não tem motivos para se sentir feia, mostrei-lhe a minha pele, fiz-lhe ver que já nasci assim, com este problema e que não posso fazer nada para mudar isso. Que eu não gosto de ter assim a pele feia, as mãos, os pés, os joelhos, o corpo todo, que no verão não uso saias curtas nem vestidos na rua, mas que não há nada que eu possa fazer a não ser cuidar dela o melhor que posso e consigo para a ter o mais 'normal' possível. Que nasci assim e assim vou morrer e que não tive outro remédio a não ser adaptar-me e aceitar. Que quando era criança, os outros meninos me chamavam "pele de galinha" e que eu chorava imenso com isso, até que percebi que não tinha que sentir pena de mim, mas sim valorizar-me. Acho que ela percebeu, chorou muito, abraçou-me forte, ficou com pena de mim, disse que nunca iria "gozar comigo" e que "eu podia vestir saias no verão ao pé dela que ela não se importava". Eu senti-me a derreter e só tive vontade de a carregar novamente na barriga, bem junto a mim, alternando num misto de orgulho e de compaixão, mas depois desta conversa senti-me esgotada e frustrada. Se aos seis anos já temos conversas deste calibre eu não quero pensar como será a adolescência e caramba, temos todas nós (mulheres) de ser tão estupidamente inseguras? Sentir que nunca estamos à altura? Que não somos suficiente? (bonitas, inteligentes, cultas, dedicadas, boas mães, etc., etc.?) Temos continuamente de viver com este sentimento de culpa em tudo o que fazemos? Ou é só característica de algumas? É que eu, apesar da conversa toda didáctica e educativa, bonita e pessoal que tive com a minha filha, na realidade não sou lá muito diferente dela. Tenho tendência a ser negativa e a ver sempre o copo meio vazio em vez de meio cheio. E custa-me, daí a frustração, que ela tenha herdado de mim exactamente essa mesma característica. Pessoas que sentem demais sofrem sempre a dobrar.
Raio de genética.
 
 

3 comentários:

Tita disse...

ò pá.... estas miúdas.....
a minha M agora diz que não quer ir linda para a escolar e que não pode ser muito bonita porque assim as outras têm ciúmes e ela fica sem amigas....
e isto também me deixa triste.... até porque tanto ela como as amigas são tão bonitas!
bjs

Maffa disse...

Oh Meu Deus!! mas que bonita conversa que tiveste com ela.
deve ser mesmo coisa de rapariga!! O meu gajinho ainda não deu nenhum sinal desses... é o segundo mais baixo da sala dele e nunca se queixou!

Cibele Chaves disse...

Olá, estas a ver a minha? Também tem disso. Mãe, porque é que eu não sou linda e maravilhosa? 7 anos.