quarta-feira, fevereiro 17, 2010

visões

Morro de medo de atropelar um animal.
Mas morro mesmo, porque sei que no dia em que algum cão, gato, ouriço caixeiro ou pássaro se atravessar à minha frente na estrada, eu serei incapaz de o matar e o mais provável é matar-me a mim.
Tenho tanto pavor que às vezes, quando conduzo, tenho receio que algum cão saia do nada para o asfalto e me leve a viver com um peso na consciência. Chego a ter alturas em que até tenho visões com semelhante acontecimento.
Agonizo perante o sofrimento animal. É algo que me perturba a sério.
Um dia destes, vinha no carro com o Carlos, eu sentada no lugar do pendura, quando do meio do nada mandei um valente berro. Ele assustou-se a sério, claro, e deu uma guinada violenta com o carro no sentido da faixa oposta. Por sorte não vinha ninguém. Tudo porque no meio da estrada estava um pombo, metade já esborrachado, metade vivo, esbracejando e lutando contra a morte certa.
Escusado será dizer que o meu marido se fartou de ralhar comigo pelo meio comportamento, que gritos daqueles não se dão, não enquanto se conduz, que podíamos ter tido um acidente por causa de um pombo, que tenho de me controlar, que o pombo da morte já não se livrava. E eu a ouvi-lo e a saber que ele tinha razão em cada palavra que lhe saía da boca para fora, mas a imagem do pombo metade vivo, metade morto não me saía da cabeça e perturbou-me a mente durante, pelo menos, uma semana.
Quando estava grávida da Madalena, para aí de seis ou sete meses, vi um cão largar-se do dono, desatar a correr descontrolado para a estrada, vir um carro e colhê-lo. Vi tudo. Fui a única que vi o animal a ser atropelado, mais ninguém que estava comigo viu o exacto momento em que o carro lhe embateu. Chorei tanto mas tanto, que às tantas já tinha o Carlos, o meu pai e a minha mãe a ralharem comigo por estar tão enervada, que aquilo não fazia nada bem ao bebé, que não me podia enervar daquela maneira, não enquanto estivesse grávida. Pelo meio, lembro-me do meu pai dizer: 'o animal já está bem, está lá o dono a socorrê-lo, o animal está bem', numa tentativa desesperada de me fazer acreditar que aquilo que vira fora 'coisa pouca' e que, como tal, podia parar de chorar, mas a imagem suicida do animal a correr em direcção ao carro voltou a nublar-me.
Hoje, quando vinha da creche da Madalena, numa rotunda, um enorme cão castanho estava parado na mesma. Andava vagarosamente, como se, apesar de quantidade de carros que afrouxavam para não irem em sua direcção, nada lhe importasse. Como vinha devagar desviei-me e segui o meu caminho sem grandes sobressaltos, olhei várias vezes pelo espelho retrovisor para me certificar de que o animal continuava vivo e de boa saúde, mas percebi, assim que passei por ele que aquele cão pura e simplesmente tinha desistido de viver.
E não consigo deixar de pensar naquela visão de quatro patas, cabeça cabisbaixa e olhos mortiços. O mais provável é perseguir-me durante semanas, tal como todos os outros.

2 comentários:

Seni disse...

Eh pá eu a pensar que tinha paranoias esquesitas,hein ?!
Tb tenho pena dos animais, claro! Mas não tenho esse nivel de sensibilidade nem de perto nem de longe...
Big kiss

Márcia disse...

Uma vez vi um gato tb meio esborrachado no meio da estrada e o seu miar de aflição (não sei de imaginado, se realmente ouvido) perturbou-me durante semanas e quando me lembro ainda me perturba...

Só para não te sentires desacompanhada nessas "loucuras"...LOL

Beijos grandes,
Márcia