terça-feira, março 25, 2014

Quando as crianças mentem

A minha filha veio ontem para minha casa. A nossa rotina de semana sim, semana não, tem sempre a segunda-feira como dia de traslado. Quando a fui buscar à escola, com a ânsia de a ver, beijar e abraçar, não reparei que tinha a franja cortada, direi mesmo, escortanhada. Mostrou-me o desenho que tinha feito para mim, vestiu o casaco, agarrei na mochila, entrámos para o carro, dei-lhe um lanche rápido e arrancámos em direcção ao supermercado onde tinha de parar para abastecer a despensa e decidir o que iria fazer para jantar. Foi só quando entrei no super e com aquela luz toda que olhei bem para ela e reparei que no seu cabelo desgrenhado - está sempre super despenteada ao final do dia, a parecer o Mogli, o menino da selva - havia algo diferente: uma franja. Uma franja pequena, cortada rente à testa, a parecer um calimero. Fiquei em choque.
"Madalena, cortaste a franja? Foste ao cabeleireio?" Ela encolheu os ombros e disse, "Não me lembro". Se bem a conheço, quando responde "não me lembro" é porque tem culpa no cartório e continuei a insistir. "Não te lembras, como não te lembras? Não te lembras se o pai te levou ao cabeleireiro? Claro que te lembras! Foste ao cabeleireiro cortar a franja ou não?", ela acabou por admitir que não, que não tinha ido ao cabeleireiro. Perguntei-lhe então como é que ela tinha a franja cortada e quem o tinha feito. A resposta chegou rapidamente, "Foi a avó!".
Fiquei piursa e, apesar de nada ter dito nesse sentido, acreditei no que me tinha contado. No meu intímo acreditava que tinha sido a avó a cortar o cabelo à criança, num acto de "vamos dar aqui um jeitinho de cabeleireira de trazer por casa" e que o resultado tinha sido aquele que estava à vista.
Quando o pai ligou a conversa teve como ponto de partida a franja. Disse-me que tinha sido ela mesma a cortar a franja a si própria, com uma tesoura de pontas redondas, enquanto fazia recortes e colagens no quarto e que me tinha esquecido de dizer. Eu desconfiei na parte do "esquecer-se de dizer" e disse-lhe que não tinha sido essa a versão que me tinha chegado. Pedi-lhe que a confrontasse. Assim o fez. Em conversa com ela, a mesma admitiu que "se tinha enganado" e que não tinha sido a avó. Ficou explicado o mistério. Depois da conversa telefónica com o pai, falei com ela. Expliquei-lhe que não se mente, principalmente mentiras destas em que se acusam outras pessoas inocentemente e que o que ela contou podia ter repercussões graves. Que a mãe e o pai podiam ter discutido, que podia ter havido chatices e que ela não o deve tornar a fazer principalmente quando o motivo que a leva a tal é o medo de ser repreendida. Que, de uma maneira ou outra, a mãe (ou o pai, ou seja quem for), mais cedo ou mais tarde, acaba por descobrir que se trata de uma mentira e que é pior. Que prefiro que ela me diga a verdade sempre, por mais difícil que seja de ouvir, enquanto ela olhava para mim com olhos de besugo, a fazer beicinho e com as lágrimas a cairem-lhe pela cara abaixo. Não discutimos, falámos, mas não sei até que ponto a conversa foi eficaz e se, numa próxima oportunidade não o tornará a fazer.  Confesso que até agora, não consigo deixar de sentir um nó no estômago sempre que olho para ela, com aquela franja à calimero e os motivos que a levaram a tal e que me sinto meio à toa, sem saber qual a forma mais correcta de agir perante situações destas.
 

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