terça-feira, julho 17, 2007

a vida por etapas




















Os meus últimos dias têm sido um pouco conturbados e isso reflecte-se no meu estado de espírito, que ultimamente tem andado pelas ruas da amargura. Sei que nunca falei ainda no blogue abertamente sobre este assunto, mas acho que está na altura de o fazer porque me sinto angustiada com todo o rumo das coisas. Como sabem tenho um problema de pele, problema esse que dá pelo nome de ‘Ictiose’. Trata-se de uma doença genética rara, transmitida de pais para filhos e que eu herdei através da minha mãe, também portadora da mesma. O facto de ser portadora de ictiose nunca me impossibilitou de seguir a minha vida normalmente, ou tão pouco, de me sentir tão humana ou ‘normal’ quanto os demais. A adolescência foi um período mais conturbado, cheio de inseguranças e complexos à mistura, mas que eu considero que ultrapassei bem. Aliás, qual não é o adolescente que não é complexado? (e nem é necessário ter um problema de pele para se sentir a pessoa mais miserável e incompreendida deste mundo). A verdade é que estudei, formei-me naquilo que quis, vivi no estrangeiro por duas vezes, trabalhei anos a fio na área, casei-me e encontrei a estabilidade emocional desejada. Ao fim de dois anos, o desejo do ‘baby’ apareceu, mais forte do que nunca. Acho que é a evolução natural das coisas. Tenho 28 anos, a caminho dos 29 ainda este ano e há dois anos que ando na saga de ‘médicos, estudos genéticos e tentativas frustadas de conseguir ter um bebé saudável’.
Conheci a Diane, já falei dela várias vezes neste blogue, através de um fórum internacional da doença. Foi ela quem me deu as únicas esperanças nesse sentido. Tal como eu, é portadora de ictiose, mas bulhosa, uma versão mais gravosa que a minha. Temos também a mesma idade, somos ambas casadas e possuímos um desejo comum: ter um bebé saudável. A Diane conseguiu, através de um estudo genético, identificar em que zona do Adn dela a mutação genética ocorre. Isso foi a porta aberta para começar a fazer a fertilização selectiva, através da fertilização in vitro – a qual ela já vai na 6ª tentativa! Ao saber desta possibilidade, movi mundos e fundos, para conseguir fazer o mesmo em Portugal. As portas foram-se fechando, sempre. Ou porque ‘eticamente’ não era possível, ou porque os médicos não se queriam envolver, ou porque ‘semelhantes tratamentos não existiam em Portugal’, etc., etc..
As desculpas foram sempre muitas e variadas e eu cheguei a desesperar e a perder todas as esperanças. A única hipótese que se afigurava viável no meu horizonte era fazer os tratamentos no estrangeiro, neste caso na Bélgica, de onde a Diane é natural. Mas não possuímos nem tempo, nem r€€ndimentos que permitam grandes ausências e temporadas no estrangeiro.
Até que um dia, estava eu sentadinha em casa a ver o jornal da noite da Sic e numa grande reportagem de Domingo sobre o tema ‘infertilidade’, descobri que afinal, a dita técnica de ‘fertilização selectiva’ para doenças genéticamente transmissíveis, era realizada no Porto, através do Dr. Mário Sousa. Nem pensei duas vezes, fiz pesquisa na net e enviei-lhe um email. Três dias depois estávamos a caminho do Porto para uma consulta. Vim de lá com o coração aberto e cheio de esperanças. A técnica fazia-se em Portugal, tudo quanto necessitava para começar, era fazer o estudo genético à minha doença, identificando a mutação genética e onde a mesma ocorre. O meu sangue foi extraído no Hospital da Estefânia em Lisboa, local onde sou seguida e o Adn enviado para uma clínica em Antuérpia. Isto foi em Fevereiro de 2007 e cinco meses depois o resultado chegou: negativo.
Esta notícia arrasou-me. A partir daqui os acontecimentos têm sido em catadupa e tenho-me sentido muito angustiada. O resultado negativo significa que não conseguiram identificar absolutamente nada, nenhuma mutação, o que trocando as coisas por linguagem leiga, sem identificação de mutação, não poderei fazer os tratamentos no Porto. (Não se fazem omoletes sem ovos, não é?) Na altura chorei baba e ranho, senti o mundo desabar em cima dos meus ombros. Acho que ainda não recuperei por completo. Depois de tanta coisa, de tanta luta, tinha voltado à estaca zero e todas as esperanças de ter um bebé saudável iam por água abaixo. Confesso que a minha actual relação com o Hospital da Estefânia não é a melhor. Digamos que acho que não tenho tido o apoio e o aconselhamento devido da parte da médica que me segue. Se não fossem as minhas pesquisas por iniciativa própria e os contactos que tenho feito, ainda hoje estaria na estaca zero, sem um único teste genético feito. Duas semanas após a notícia do resultado negativo e depois de ter falado com a Diane via messenger e de muitas pesquisas na net, comecei a pensar se o diagnóstico que me fizeram estaria correcto. Ou seja, se a minha ictiose é mesmo ‘vulgaris’ como sempre me disseram. Nunca fiz nenhuma biópsia comprovativa – erro médico gravíssimo – e isso poderia inviabilizar todos os diagnósticos feitos tendo a Ictiose vulgaris como base. Marquei consulta numa nova dermatologista - que curiosamente já foi minha dermatologista há dez anos atrás e a qual tinha perdido por completo o rasto - e pedi um comprovativo de diagnóstico. Ao ver-me, e perante o resumo de toda a minha história e saga pessoal, ligou logo para o Hospital Curry Cabral, que segundo a mesma, é o único hospital em Lisboa (se não mesmo a nível nacional), que possui uma unidade especializada na minha doença. E agora pergunto eu, como é que é possível que ao fim de tantos anos em médicos, nunca nenhum tenha tido o cuidado de me informar sobre isto? Como é que é possível que haja uma associação de doentes com ictiose no meu país e eu, que devo ser das poucas a sofrer desta doença, desconheça completamente que a associação existe? É por este tipo de coisas que me sinto cada vez mais e mais revoltada com a classe médica portuguesa. No que me toca em particular, o desconhecimento e a ignorância dos médicos em relação a uma doença ‘fora do normal’, é tudo menos profissional.
E estou farta, mas mesmo farta de ouvir a eterna resposta passivo-acomodada do: ‘você leva uma vida ‘normal’ e tem 50% de hipóteses de ter um filho saudável, por isso…’ como se eu me devesse resignar e conformar com o destino que o genoma humano me deu, e esperar que a lotaria genética seja abonatória a meu favor na altura em que decidir a ter um filho. Recuso-me! Essa resposta nunca me serviu de consolo nem nunca servirá. Um médico que diz isto a um paciente, deveria bater na boca, porque não faz a mínima ideia do que é viver com algo assim diariamente e muito menos desejar o mesmo destino para um filho. Eu sei que há doenças piores que a minha, mais graves, mais limitativas, mais tudo, mas saber que há uma pessoa exactamente como eu, que pelo menos está a fazer algo para impedir que um futuro filho nasça como ela, enquanto eu não posso fazer nada, revolta-me muito. Sinto-me muito angustiada, muito enegrecida, muito só. Sinto que nem o meu marido me poderá ajudar, porque por mais apoio que me dê, não consegue sequer imaginar como me sinto.
Ontem foi dia de voltar à dermatologista. Pensava eu que ia fazer uma biópsia, mas não. Ela decidiu que o melhor é começar todo o processo a partir do Hospital Curry Cabral. Fez-me uma carta e desejou-me boa sorte. Mais uma médica que se descarta e mais novos médicos chegam à minha vida. Hoje tentei marcar consulta por telefone, mas só indo lá pessoalmente o poderei fazer. (neste país, é tudo a ajudar...)
Neste momento a minha vida é feita de esperas e de etapas. A próxima etapa é conseguir marcar consulta no Curry Cabral, depois é ir novamente ao serviço de Genética da Estefânia saber o veredicto final do estudo e mais lá para diante, voltar ao início com mais recolhas de sangue, testes, biópsias e possivelmente um diagnóstico final.
Já não sei se hei-de ter muitas esperanças. Neste momento divido-me entre o medo e o desejo. O medo de ter uma criança assim e o desejo de a ter. Não é fácil lidar com sentimentos contraditórios, não é fácil sair da fossa quando tudo à nossa volta se desenrola de forma lenta e contrariando a nossa vontade. Não posso sobrepôr-me à ciência e no meu caso, só a ciência me pode ajudar.
Decidi falar abertamente sobre tudo o que me anda a acontecer, porque acho que está na altura de falar às pessoas sobre isto, divulgar a doença, abrir mentalidades. É a ignorância que nos faz ser xenófobos, racistas e/ou intolerantes perante pessoas de cor, raças ou de pele diferente da nossa. Eu não tenho muitas razões de queixa nesse sentido, mas sinto que está na altura de fazer mais sobre isto, por mim e por todos os outros como eu. Por isso criei um blogue dedicado em exclusivo à Ictiose, não só porque nas minhas pesquisas na net a informação é escassa ou quase nula, mas também porque em Portugal, desconheço quem possa estar a passar por algo semelhante. E se houver alguém, então o propósito com que criei este blogue já foi benéfico. Nele irei falar sobre a doença, explicar os diferentes tipos de Ictiose, os sites internacionais relacionados com o estudo da doença, colocar os resultados das minhas pesquisas e todo o tipo de informação que possa ajudar alguém que queira informar-se. Não é apenas um blogue sobre sofrimento, não é isso que eu pretendo. É um blogue educativo, para todos: familiares e amigos de doentes com Ictiose, ou simples interessados na matéria.
Por favor divulguem, difundam, espreitem, informem-se, comentem. Ainda está no início, mas prometo dar-lhe a atenção devida e ir actualizando devagarinho, por etapas, tal como anda a minha vida. http://www.ictiose.blogspot.com/

4 comentários:

Anónimo disse...

Mafalda,
um grande beijinho e um abraço apertado.
Vou linkar o teu novo blog.

Mafalda disse...

obrigada*
mais uma pessoa informada ;)

Gatinha disse...

Eu tenho uma amiga que sofre de psoríase e é muito difícil viver com essas doenças. Compreendo muito bem aquilo que sentes. Vais ver que vais conseguir ultrapassar esta etapa e passo a passo vais conseguir concretizar os teus desejos. Bjocas. Força

Mafalda disse...

não querendo menosprezar a psoríase, a ictiose é mais gravosa. a Psoríase acaba por conseguir ser 'relativamente controlável' e a pele ter um aspecto 'normal', havendo alturas em que pode ter 'crises' e alastrar por outras zonas do corpo. Seja como for, as doenças de pele, sejam de que género for, são sempre muito complicadas de tratar, de lidar e esteticamente muito desagradáveis.
beijinho grande e obrigada pelas palavras*