quinta-feira, março 29, 2007

Anjo da guarda





















Conheci a Diane por mero acaso, ou porque acredito, o destino nos juntou, a muitos quilómetros de distância e a partilharmos uma doença comum. Ela na Bélgica, eu em Portugal, mas com experiências de vida provavelmente muito idênticas. Há dois anos andava eu a pesquisar sobre o meu problema de pele quando fui parar a um fórum norte-americano sobre a doença. Fiquei fã desde o primeiro dia, até porque em Portugal não existe qualquer tipo de informação disponível que me possa simplificar a vida. Sempre que ia ao médico, sentia que eu sabia mais sobre a doença do que eles – o que não é de estranhar, pois sou eu que vivo com ela todos os dias – e tirando a minha mãe, portadora do mesmo problema, nunca conheci ninguém como eu. (Não existe mais nenhum outro caso na família) O meu problema de pele é uma doença pouco ou nada conhecida. Chama-se Ictiose e é uma doença hereditária e de base genética – através de um processo de má formação dos genes da pele na altura da concepção do feto. Não é contagiosa, apesar de muitas pessoas olharem para as minhas mãos - a parte do meu corpo mais exposta - de forma estranha ou maliciosa. É sim, uma pele extremamente seca, descamativa e rugosa, necessita de hidratação constante e de cuidados excessivos. É uma doença que não me impossibilita de levar uma vida aparentemente normal, apesar de as atenções e cuidados que lhe dedico, serem tudo, menos normais. Acho que durante toda a minha vida sempre lidei bem com o assunto, apesar de durante a adolescência ter tido imensos complexos, medos e fraquezas – mas também, qual é o adolescente que não os tem? A minha mãe sempre me tentou aconselhar o melhor que podia, porque também ela sofre do mesmo e por causa disso, apenas teve um filho. (moi memme) A doença, por ser genética, tem fortes probabilidades de passar para todos os filhos que um casal tenha. Mas também pode acontecer, nascerem livres da doença, apesar de serem poucas as hipóteses. É aqui que a Diane entra. Depois de nos termos conhecido no fórum americano, trocámos emails e mantivemos a comunicação. Sei que é casada, um ano mais nova que eu e sofre de um tipo da doença bem mais gravosa que a minha, a Ictiose Bulhosa – que apesar de ter todas as características da minha, tem também propensão para ganhar bolhas e feridas. E acreditem, é muito doloroso. Todos os problemas de pele são dolorosos (não querendo menosprezar as outras doenças), mas a pele, por estar tão exposta e nos cobrir o corpo todo, é particularmente difícil de lidar, mexe com a nossa auto-estima, com o nosso bem-estar. A Diane, ao contrário do que aconteceu comigo, não consegue arranjar emprego – nesse aspecto nunca tive queixas e sempre tive facilidade - sempre me contrataram pelas qualidades demonstradas e não apenas por uma questão estética, mas nem sempre é fácil, acreditem. Além disso, tento que a doença seja o mais despercebida possível aos olhos alheios, mas nem sempre isso é contornável e comentários e perguntas indelicadas proliferam - felizmente já estou habituada a lidar com elas e a adoptar o meu escudo protector de defesa.
O Verão é provavelmente, uma das épocas do ano que mais odeio, porque além da exposição do corpo ao sol, estou, eu própria, muito mais exposta aos olhares alheios. Tudo isto para dizer, que agora, aos 28 anos e com o desejo profundo de ser mãe, tenho de pensar duas vezes antes de dar esse passo, porque sei que ao ter um filho, ele pode vir exactamente como eu e se o pudesse evitar, seria uma pessoa mais feliz. Foi a Diane que me falou na técnica do embrião geneticamente modificado, que ela própria na Bélgica estava a realizar. Através de um estudo genético e detalhado da doença e da fertilização in vitro, pessoas como nós, conseguem ter filhos saudáveis. Foi graças à Diane que eu comecei a investigar as possibilidades de o realizar em Portugal e lutei, literalmente, contra médicos especialistas, com a minha força de vontade, pois cruzei-me com alguns que me demoveram da ideia, ou simplesmente se afastaram, não querendo ajudar-me. Foi graças a uma reportagem da Sic que descobri o Dr. Mário no Porto, um dos maiores especialistas a nível mundial na técnica e que me voltou a renovar o coração de esperanças. Foi graças à Diane que soube que na Bélgica, se quisesse, podia fazer o tratamento e será, graças à Diane, que um dia terei um filho (ou vários) saudáveis. (my fingers are crossed)
A Diane vem a Portugal passar férias em Maio e Junho e vamo-nos encontrar pela primeira vez, depois de dois anos de troca de experiências, angústias e de uma doença em comum. A Diane vai na 5ª tentativa de fertilização in vitro, na Bélgica, e não esmorece perante a adversidade dos tratamentos. No outro dia, perguntei-lhe se todo o processo era difícil, se provocava muita ansiedade, se era doloroso. Ela respondeu-me: ‘Comparado com aquilo que passamos com a doença e no nosso dia-a-dia, isto não é nada. Nós somos pessoas fortes, se aguentamos isto, aguentamos tudo’. Eu concordo.
Acho que algo ou alguém colocou a Diane no meu caminho com um forte propósito e eu agradeço. Talvez ela não tenha consciência, mas já fez mais por mim, do que muitas pessoas que conheço.
(Acho que só agora, que sei que este blogue é privado, ganhei coragem para falar sobre este tipo de coisas, tão intímas e pessoais, que mexem tanto connosco. Mas também acho, que é falando delas, que se desmistificam as coisas, se informa as pessoas e nos libertamos de velhos fantasmas. Por isso, se acharem estranho este meu post, vejam-no como uma catarse, uma forma de libertação de mim mesma, porque sinto, efectivamente, necessidade de falar sobre isto... Neste momento o meu DNA já seguiu para a Bélgica, em Antuérpia, para a realização do estudo genético, daqui a alguns meses poderei ter notícias e aí, finalmente, começar a fazer os tratamentos in vitro, no Porto. Não vejo a hora. Espero no próximo ano conseguir, finalmente, ter o tão desejado baby... se tudo correr bem.)

3 comentários:

Anónimo disse...

Tenho a certeza que vai correr tudo bem! Tu mereces isso e muito mais!
Um abracinho forte (tiveste imensa coragem em partilhar esse assunto aqui e isso, por si só, é verdadeiramente admirável, além de tal como referiste é também uma forma de exorcizar 'velhos demónios' que todas/os temos e que vamos carregando às costas, dia após dia)

Mafalda disse...

:) sim, foi a primeira vez que me atrevi a fazê-lo... só agora, que o blogue é privado é que ganhei coragem de me abrir sobre o assunto, não que anteriormente não tivesse também vontade, mas apenas porque só agora é que me senti mais segura para o fazer*

Anónimo disse...

Mafalda, mesmo sendo privado, eu n sei se teria coragem para partilhar este texto... com conhecidos e desconhecidos, como eu...
Os meus sinceros parabéns, por tudo! :D
E podia dizer mtas mais coisas, mas creio n ser necessário!
Beijinhos grandes,
Catarina(já devidamente identificada ;)