segunda-feira, agosto 13, 2007

A nu



















Durante estas últimas férias e enquanto estivemos em Amesterdão, ficámos a saber que a Diane está finalmente grávida. Contrariando já todas as notícias que nos chegavam - a última vez que tinha falado com ela as notícias eram de que a 6ª tentativa da fertilização geneticamente modificada, não tinha resultado - mas ao que parece, o sangue que a Diane pensou ser o aparecimento da menstruação e que a levou às lágrimas por uns dias, era apenas uma perda de sangue genuína, resultante de uma gravidez. Engano desfeito e temos mais uma grávida (esta sim, bem merecida), que rejubila com a notícia.
E eu sei que se há alguém que merecia engravidar era ela depois de todo o sofrimento envolvido e de todo o esforço para ter um filho saudável. E sim, fico muito feliz, porque sei o que é viver na pele - literalmente - com isto todos os dias, mas ao mesmo tempo, não consigo evitar este aperto no peito que sinto sempre e quando oiço mais uma notícia de 'bebés', 'gravidezes' e afins.
Como se invejasse perdidamente todas as que neste momento passam e vivem essa sensação.
Por isso pergunto-me: Isso faz de mim uma pessoa má?
Sei que neste momento é difícil para mim falar com a Diane, seja via messenger, seja por email, porque não quero que aquilo que sinto, estrague de alguma forma a felicidade dela, por isso deixo-me estar assim, quieta, sem dizer nada, apesar de saber que o meu silêncio apenas denuncia ainda mais aquilo que me vai na alma e que ela o entende na perfeição. Não é à toa que hoje me mandou um sms a perguntar porque é que ainda não lhe respondi ao email que ela me enviou nas férias e se estava de alguma forma chateada com ela. Claro que não tive coragem de dizer que este meu silêncio é a melhor maneira de lidar com a minha dor e disfarcei, desculpando-me com o regresso ao trabalho e as férias.
Pergunto-me: Isto faz de mim uma pessoa falsa?
Sei que se fosse ao contrário ela provavelmente sentiria o mesmo. Falámos sobre isso quando nos encontrámos aqui em Portugal, mas agora que ela está efectivamente grávida, eu temo não conseguir acompanhá-la na sua alegria, mas sei que se fosse o contrário, eu gostaria que ela me acompanhasse na minha.
Pergunto-me: Isto faz de mim uma pessoa egoísta?
Sei que se tivesse passado por tudo aquilo que ela passou ao longo destas seis tentativas de fertilização, biópsias e até, um aborto induzido, teria desistido a meio do percurso, já teria derramado rios de lágrimas e sentir-me-ia a pessoa mais miserável e infeliz deste mundo, mas se ao menos tivesse essa hipótese, saberia que valeria a pena tentar, ou fazer o sacrifício. Acontece que neste momento eu não tenho hipóteses. Aliás, a minha vida resume-se a uma sucessão de portas que me levam sempre ao mesmo destino: o ponto de partida, deixando-me com um panorama pouco ou nada animador.
Ninguém me impede de ter um filho, apesar de eu saber que o mais provável é ele vir com o mesmo problema que eu, e eu não sei se desejo ter um filho como eu. Não sei sequer, se mereço deitar a este mundo uma criança como eu. Há quem me diga que não devo pensar assim, porque caso contrário não existiria, nunca teria tido a oportunidade de viver tudo o que já vivi, que isso não me define enquanto pessoa. Eu concordo. Mas desejar ter um filho assim, ninguém deseja. Ninguém tem um filho assim por opção.
Pergunto-me: Isso faz de mim uma pessoa fria?
Às vezes penso que apenas quero ter um filho e o resto que se lixe. Talvez por isso, em Amesterdão, me tenha esquecido propositadamente de tomar a pílula e de ter aguardado ansiosamente pela não chegada da menstruação. Mas ela apareceu, certinha, no Sábado de manhã, quando a minha mente já andava a divagar entre nomes de menino ou menina. Chorei compulsivamente sentada na sanita da casa de banho. Sozinha, sem dar parte fraca ao meu marido. Nesta questão, todos os fantasmas que me afligem, são só meus. Acho que ele nunca teve, nem terá, noção da dimensão desta minha ansiedade. Eu sei que ele não gosta de me ver sofrer, que se apercebe do pouco que lhe vou dando a entender, do meu ressentimento, da forma como a mágoa me sai límpida nas palavras, mas nunca lhe dou a conhecer o verdadeiro icebergue que está por debaixo dela.
Pergunto-me: Isso faz de mim uma pessoa calculista?
Sempre pensei que 2007 seria o ano em que engravidaria. Mas neste momento, 2007 revelou-se um ano vazio e sem perspectivas. Começou cheio de esperanças e desabou a meio, restam-me farrapos, sob a forma de consultas, cujas datas se vêem ao longe tantos são os meses que faltam para elas... até lá continuo no limbo da indecisão, da incerteza... continuo a receber notícias de gravidezes vindas um pouco de todo o lado, mostro-me afável mas contida nas palavras. Tenho medo que tudo me traia, até um simples olhar.
Pergunto-me: Isso faz de mim humana?




2 comentários:

rita disse...

Tudo isso Mafalda, desde a tua primeira palavra até à última, encaixa-se apenas na tua última pergunta, porque tudo isso faz de ti, apenas e tão somente... humana!
E, sabes, acho que até poderias falar abertamente com a tua amiga, porque tenho a certeza que, melhor do que ninguém, ela saberá entender. Desse modo ela saberá que estás feliz por ela (porque sabe, na verdade sabe mesmo que não lho digas), mas entenderá de forma límpida, todos os silêncios, todas as ausências, todas as palavas contidas de alguém que compreende, que fica feliz mas que fica também, inevitavelmente, triste. porque não dá para não pensar "e quando é que chega a minha vez?". e ela saberá compreender isso melhor do que qalquer outra pessoa e, dessa forma, poderás estar ao lado dela, na felicidade, e ela poderá também estar ao teu lado, no silêncio e no vazio que passa nas tuas palavras.

E não desistas, Mafalda. não desistas de nada: de ter o filho que queres ter, de procurar um emprego que te encha verdadeiramente as medidas, de informar o mundo sobre a tua doença. Não desistas de nada disso porque muitas vezes é essa a diferença entre conseguir e não conseguir as coisas. às vezes só temos de dar uma volta maior, mais difícil, mais íngreme ou com mais obstáculos, mas chegamos lá na mesma, só precisamos de conseguir aguentar-nos. E para isso só precisamos de conseguir ter sempre em mente o que nos move.

:*




PS - já agora aproveito para te perguntar uma coisa que não tem nada a ver com isto: já alguém se queixou de não conseguir ver o teu blogue? acontece-me com imensa frequência vir cá (aliás, venho cá sempre que venho à net, fazer a ronda dos sites/blogues), abrir o teu blogue depois de me idenficar e não conseguir ver nada a não ser a imagem do header e a barra lateral com os links. Aliás, só ontem é que consegui começar a ler a esmagadora maioria dos teus posts dos últimos tempos, e terminei hoje, por isso só hoje é que comentei alguma coisa. Isto só me acontece no teu blogue, é estranho :/

Anónimo disse...

a rita disse tudo. não desistir, apesar dos trambolhões. esfolamos os joelhos, choramos até, mas levantamo-nos, sacudimos a poeiras e continuamos, apesar dos arranhões e nódoas negras. porque daqui a uns tempos olhamos para os joelhos e pensamos que aquelas cicatrizes até valeram a pena. beijinho grande