terça-feira, abril 21, 2015

dizer o que se sente

Não é fácil transcrever em palavras tudo o que vai cá dentro e tudo o que sinto nesta segunda viagem e nesta segunda experiência. Nem sempre é bom e, tenho consciência, nem toda a gente está preparada para o ouvir. 
Há uns dias perguntei ao pai desta casa se gosta de me ver grávida. Afinal, a experiência para ele é nova e todo o processo, embora não estando a ser o mais fácil para todos, não deixa de ter o misto da novidade com descoberta  ao ver a barriga crescer e ao sentir os primeiros pontapés. A verdade é que muitas vezes dou por mim a pensar se os meus desabafos sob a forma de lamentos exteriores daquilo que me vai na alma não têm um cunho negativo para quem os ouve - que, acredito que sim - e torne toda a situação ainda mais penosa para todos. A resposta dele foi um imediato "Sim", acompanhado de um sorriso e de uma pergunta: "E tu, gostas de te ver grávida?", seguida da resposta, dada também por ele, de "Não".
Não fui capaz de me defender. Não é que não goste de me ver grávida, aliás, esta gravidez foi planeada, foi desejada e foi muito sonhada, aconteceu na altura em que previmos e todo o processo entre o decidir engravidar e ficar efectivamente grávida foi rápido - demorou 2 meses - mas depois, esta fase de total bloqueio, de paragem forçada, do internamento e de estar em casa, privada de tudo aquilo que me caracterizava e me definia, veio mexer comigo de tal forma que me fez querer desejar que tudo isto acabe o mais rápido possível, que ele nasça, que o tenhamos cá fora e que eu possa retomar a minha vida toda novamente. Se é que a vida volta a ser igual ao que era.
É muito complicado para uma pessoa que se considera activa ficar completamente imobilizada de um momento para o outro, privada de conviver com os amigos e colegas de todos os dias, ou sentir-se quase à margem de uma vida que vibra lá fora e da qual eu não faço parte. E é tão fácil deixarmo-nos cair na apatia e no marasmo do passar dos dias sem qualquer ponta de relevo a assinalar, arrastando-nos por uma casa vazia quando a filha e o marido foram às suas vidas e eu acabo por ficar aqui nesta espécie de limbo que, para mim, alterna entre o sacrifício e o calvário.
Bem me dizem para ler, para ver séries de televisão, para descansar e eu não sinto vontade de fazer nada disso, mas tenho feito um esforço para não cair na total apatia. Há dias em que levo a coisa melhor, em que me organizo, em que tento estar um pouco mais ocupada - mesmo que essa ocupação passe por fazer as camas, tomar banho, vestir-me convenientemente ou passar uma esfregona no chão, pôr roupa a lavar ou estendê-la - mesmo quando essas actividades me estão proíbidas, mas se não as faço, mesmo que devagarinho e dentro das minhas limitações, sinto que descambo, que deixo de fazer sentido. E depois a fatídica pergunta, do "Como foi o teu dia?" e eu sinto que nada melhor o expressa do que a palavra 'vazio'. 
É inevitável, pelo menos para mim, a comparação entre esta segunda experiência e a primeira. Na gravidez da Madalena também fiquei de baixa às vinte e poucas semanas, mas fiz uma vida relativamente 'normal', saía, sentia-me bem, não tinha estas dores nem me sentia tão levada ao extremo em tudo. Tive tempo para curtir a gravidez e toda a experiência do ir 'ser mãe' como era suposto, com tempo, amor e dedicação. Quando ela nasceu senti-me numa nuvem de felicidade durante várias semanas, imbuída em hormonas e amor maternal a transbordar por todos os poros. Finalmente tinha realizado um sonho, finalmente tinha a filha perfeita que eu sempre tinha desejado nos braços, mas agora dou por mim a pensar: "E se desta vez as coisas não forem assim?" e se "Eu não sentir por ele o que é suposto uma mãe sentir?" e se "Toda esta dura experiência que atravesso for mais uma prova e interferir com o meu amor?". Ando cheia de medos e de hesitações, cheia de dúvidas e receios. Sim, bem sei, estou hormonal, sensível, instável e em vez de me sentir radiante, estou um caco, mas não consigo evitá-lo. Mais uma vez repito, há dias em que suporto as coisas de forma mais leve e descontraída e há outros em que pura e simplesmente não consigo. Em que me sinto pequena e derrotada pelas circunstâncias.
Acima de tudo tenho medo que toda a história se repita. Em que esta paragem forçada durante tanto tempo interfira com o meu trabalho, com os meus objectivos enquanto profissional, com a minha relação, comigo mesma, que exija demasiado de mim, que me faça sentir sufocada e que tudo descarrile, como já descarrilou uma vez. 
Bem sei que não devemos deixar que o nosso passado interfira com o nosso presente e o nosso futuro, mas há circunstâncias quase cíclicas, padrões semelhantes, que é inevitável não pensar no que aconteceu e não ter medo que tudo se repita novamente.
E porque há momentos em que sentimos tudo tão forte a ressoar dentro do peito que a única catarse para acalmar tamanha ansiedade é falar sobre isso mesmo. Mesmo que para ninguém. Mesmo que para todos.

4 comentários:

Sílvia S. disse...

Há muitos anos que te acompanho, não costumo comentar, mas gosto de te ler.
Também estou grávida e sei dessas emoções controversas, mas tal como tu sou Escorpião. Uma Escorpião tem muita força e tu já provaste que a tens.
Vai tudo correr bem, desejo eu, quer para ti quer para mim

Mafalda disse...

obrigada Sílvia por continuares 'aí' e a voltar a este meu canto!
E parabéns pela novidade!! é para quando?
bjs*

Maffa disse...

Maf respira fundo está quase...
Se calhar estas a passar por uma prova - depois destes meses todos enclausurada nada pode ser pior que isso... Vais-te sentir tão feliz de estar livre e puderes sair à rua que nem te vais chatear com as noites mal-dormidas, e stresses do filhote.
Para mim o segundo filho foi muito mais fácil e pude aproveitar mais os prazeres da maternidade porque não estava tão stressada, nem sempre irritada de a minha vida ter parado por causa do meu bebé. Beijinhos

Sílvia S. disse...

DPP - 2 de junho, se o pequeno aguentar cá dentro.