quinta-feira, maio 28, 2015

Filhos, amor que não se impõe, amor que orienta



A M. hoje teve teste de português na escola. Ontem, quando chegou a casa, foi para a cozinha e enquanto eu fazia o jantar, fez uma ficha de preparação sentada na mesa, praticamente ao meu lado.
Olhei para ela e tive uma visão diferente do habitual. Ainda nem eram sete da tarde, eles tinham chegado mais cedo a casa, eu estava a fazer o jantar e ela sentada ao meu lado a estudar. Por instantes o momento pareceu perfeito. Tempo para a família, tempo para estarmos todos em casa ao final da tarde, sem correrias nem pressas a contra-relógio, sem gritarias de 'despacha-te que ainda tens de ir tomar banho", tempo de ainda estar um dia de sol maravilhoso lá fora e de já os ter ali, perto de mim. Ela, crescida, muito crescida, a ler e a escrever sozinha.
O pior veio depois, quando corrigimos a ficha e vimos que continua a dar erros de pura distracção ou que, mesmo já tendo dado a matéria e aprendido os ditongos e outras regras gramaticais, escreve da mesma forma que fala, ou seja, mal. 
E depois vem aquele feitio torcido e aquele jeito dela de argumentar, do alto dos seis anos, tudo o que lhe dizemos, de não aceitar bem as críticas - mesmo que construtivas - e de como um simples apagar de borracha no caderno de algo que fez mal a desmotiva e lhe provoca lágrimas nos olhos. O choro, sempre o choro que é o refúgio favorito desta minha pequena drama queen.
Fico muitas vezes apreensiva e sem saber o que fazer. Se, por um lado, me custa muito constatar que ela tem dificuldades com o português, seja por distracção ou por excesso de confiança - que é outra coisa que ela faz com muita frequência - por outro dou por mim a tentar controlar a minha faceta mais dura de não me stressar ou exaltar quando lhe estou a corrigir os trabalhos ou a tentar ensiná-la mesmo quando vejo que ela não está para aí 'virada'. 
De forma a conseguirmos contornar a questão já adoptámos várias técnicas. Dar-lhe espaço, não estar sempre em cima dela, falar sempre num tom super calmo e paciente, fazer reforços positivos às coisas que faz bem, deixá-la pensar por si ou saltar exercícios que tenha mais dificuldade para voltar aos mesmos mais tarde, imprimir fichas da net para que faça algumas durante a semana, obrigá-la a ler mais, mesmo que pequenas coisas do dia-a-dia, fazer jogos de palavras e letras, já houve de tudo e a verdade é que os resultados acabam por não se fazer verdadeiramente sentir. Há dias em que corre bem e outros em que o drama se instala. Ontem começou muito bem, ela estava verdadeiramente motivada e bem disposta, mas quando percebeu que tinha feito vários erros à medida que os íamos corrigindo, instalaram-se as manobras de distracção do costume. Choro quase compulsivo, amuos e um medo visível e instalado em expressar o pensamento e as respostas em voz alta, como se tivesse receio de falhar, de dizer sem ter a certeza de estar certo.
Perante isto sinto-me impotente. Tento rever onde estou a falhar ou como a posso ajudar e, mais importante, de que forma. Já falei várias vezes com a professora que me diz que na escola isso não acontece, mas eu fico sempre desconfiada pois constato que, de todas as vezes que ela faz os trabalhos de casa, acabe sempre por dar erros crassos de coisas que já aprendeu, que já fez várias vezes e de como continua a ser mais por falta de atenção/concentração do que propriamente por não saber. Já por não falar numa dislexia latente de trocar todas as letras 'd' e 'b' e de não conseguir ler os sons com 'r', nomeadamente todos os que têm 'pr', como 'prateleira', ou 'protector'.
Mas, acima de tudo, um medo de que ela não goste de estudar tanto quanto eu gostava e que se desmotive, que desista com facilidade, que não se esforce, que não acredite nas suas capacidades e que seja influenciável. Eu sei que esse medo é meu, não dela e que, como mãe, devo fazer um esforço por motivá-la e não lhe dar motivos para isso, mas há alturas em que eu própria me sinto impotente, porque se há coisa que a vida e o ser mãe me ensinou é que os filhos não são um reflexo de nós próprios. São pessoas com a sua própria personalidade, emoções, vivências, defeitos e maneiras de ser que nós, pais, por mais que tentemos ensinar-lhes, passar os nossos valores morais e educação, estamos sempre sujeitos a uma margem de risco, uma zona cinzenta onde não conseguimos chegar e onde eles agem por sua vontade, conta e risco e onde temos de saber aceitar o que não conseguimos mudar. Orientando sempre, mas sem impor à força.
Lembro-me disso muitas vezes e tento aceitar o que não consigo mudar, dando-lhe o espaço que ela merece e respeitando os defeitos que lhe identifico no feitio, tão seu, mas com um medo de que o desvio seja sempre curto e que, no final, ela reconheça em mim, em nós, a importância das atitudes que tomamos e do amor que lhe demonstramos e o saiba sempre ter em conta.

Mas até lá, até lá o caminho não é nada fácil. 

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom dia:

Será que a sua filha não terá mesmo problemas de Dislexia?
A filha + nova do meu Namorado/Companheiro é disléxica e foi-lhe diagnosticado quando andava na Escola Primária. O Pai estudava com ela e "desesperava-se"....Estava a ler o que a senhora escreveu sobre a sua filha e ele contou-me que a filha era assim quando era + nova. Como ainda ñ estava preparada para avançar, ficou retida na 4.ª classe. Foi a partir do 5.º ano que começou a ser acompanhada num ATL porque só estudava quando queria, ela é que sabia e tudo o mais. Com o acompanhamento que tem tido no ATL (está a acabar o 9.º ano) ñ tem chumbado, está empenhada no estudo.
Continua a dar erros ortográficos (mesmo tendo as palavras à frente dela) e a Psicóloga aconselhou o Pai a ler com ela em voz alta. Assim ela lia e percebia o que estava a ler e o Pai fazia-a corrigir aquelas palavras que dizia mal.

Eu sou Educadora de Infância (embora esteja desempregada) e aconselhava-a a falar com a Educadora da sua filha na eventualidade de fazer uma despistagem com uma Educadora do Ensino Especial sobre essa possível Dislexia. Ou, então, falar com uma Psicóloga e contar-lhe todas essas coisas que acontecem. Ela própria, muito descontraidamente através de jogos/desenhos/diálogos poderá descobrir (ou não) alguma coisa.

Obrigada pela sua atenção e tenha um bom fim de semana.

Atentamente,
Cristina Costa